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Há mais de vinte anos li e estudei esta emblemática obra da literatura nacional nos bancos da escola. Se gostei? Não posso dizer que me desagradou, uma vez que, ao contrário de vários colegas de estudo, não optei por atalhar caminho e ler uns (na altura) muito populares livrinhos de síntese amarelos e pretos; Interessou-me o suficiente para ler na íntegra, não me limitando aos trechos abordados nas aulas; mas gostar-gostar... bem, na verdade não me recordo. Seguro é que, até há pouco tempo (mais concretamente até à releitura de Frei Luís de Sousa), não senti vontade de regressar a tal obra.
Eis-me agora, finalmente, de regresso a este clássico. E, em boa hora o faço: a minha cultura literária, entretanto, é um pouco mais profunda, o que, julgo, me permite desfrutar um pouco mais profundamente de algumas das faces desta obra. Desde logo, o piscar de olhos a Tristram Shandy (diretamente citado - e nomeadamente a sua página preta), obra-prima que pude conhecer este ano (e que me remete igualmente para o meu querido Brás Cubas); encontro pontos em comum não exatamente no tipo de humor (desestabilizador, provocador em Sterne), mas no tom por vezes digressivo de Garrett (com os seus apartes, comentários dirigidos ao leitor, etc. - muito mais moderados no autor português, é certo). A referência inicial às Viagens em Volta do Meu Quarto, de Xavier de Maistre, vai ao encontro de um interesse meu: eis uma obra que tenho assinalada e que pretendo, se me for possível, ler.
Tendo o autor decidido fazer uma viagem até Santarém, entretém-se a descrever com bastante graça e interesse esse seu empreendimento. Às portas do seu destino entra-se na história de Joaninha e de Carlos - e aqui há algo que se altera na obra, que passa a seguir esta novelinha ("simples e singela", nas palavras do autor, ao que este leitor acrescentaria "bacoca"). Uma historinha da carochinha, num contexto interessante mas não inteiramente aproveitado (as guerras liberais), em que não falta a avozinha coitadinha, os rouxinóis que velam o sono de Joaninha, os atos de renúncia por amor, etc., etc., etc. (perdoem-me os eventuais leitores deste texto, mas não consegui evitar chegar ao terceiro etecetera). Literariamente, não posso dizer que me encanta a novela, nem o esforço literário de, recorrendo a metáforas e adjetivos, enriquecer o drama umbilicalmente piegas...
Consigo, assim, encontrar dois tons na escrita de Garrett: um mais aristocrático, requintado, culto, fresco com uma certa ironia (a citação em grego para, como se declara, mostrar erudição) e até mesmo uma capacidade de autocrítica, nos capítulos dedicados à viagem mas também às suas reflexões; outro mais popular, limitado e diretamente romântico nos capítulos novelescos (um estilo, devo dizer, que me parece bem mais redondo, ou mesmo mais vulgar, visível, por exemplo, no abuso de alguns lugares-comuns do Romantismo).
Em suma, pesem embora os pontos que me agradaram menos, Viagens na Minha Terra é inegavelmente uma obra curiosa no panorama nacional.