sexta-feira, 26 de junho de 2015

"As Aventuras de Augie March", de Saul Bellow

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Outro autor que se descobre: Saul Bellow; ou, poderia dize-lo alternativamente, outro autor que veio para ficar. Conhecia-o de nome, nomeadamente associado ao de Philip Roth (como um espécie de autor referência), mas como me acontece com tantos outros autores, nunca sentira uma especial curiosidade em explorar as suas obras. Não vou alongar-me a explicar como é que cheguei a Bellow (na verdade, tal contacto não tem muita história), mas somente dizer que foi um feliz encontro.
Como o próprio título indica, esta obra (um romance de formação, à imagem de, por exemplo, Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce) trata das aventuras e desventuras (os amores e - aproveitando a oposição anterior - e desamores, os mil e um expedientes - nem sempre legais - e ofícios, etc.) de Augie March, durante a sua adolescência até à primeira idade adulta, numa fase particularmente marcante da história dos Estados Unidos da América, que se estende dos anos de prosperidade que antecedem a Grande Depressão até à Segunda Guerra Mundial (e mesmo um pouquinho depois). A "formação", acima mencionada, refere-se ao processo de amadurecimento e de autodescoberta de Augie, uma peregrinação neste caso feita de saltos e adaptações constantes mas também de instabilidade e dificuldade em dar rumo à vida.
Há neste livro  muitos aspetos paradigmáticos da cultura americana das primeiras décadas do século vinte: uma certa multiculturalidade enraizada nas várias origens de muitos dos personagens (imigrados de diferentes pontos da Europa e América do Sul); uma certa pobreza (não miserável, é certo) associada aos bairros das classes populares; o dinamismo da economia e do mercado laboral americanos (o que ajuda a explicar os permanentes saltos laborais de Augie); a cultura da perseverança e da adaptabilidade constante (a novos empregos e situações - aspeto, de certa forma, ligado ao conceito de "terra das oportunidades" -, a busca do lucro a qualquer - ainda que por via de "esquemas" -, etc.); entre muitos outros.
A escrita de Bellow tem, a meu ver, muito de cinematográfico, não apenas pela ação constante como pelo caráter imagético, colorido, pormenorizado e diversificado. Por tudo isto, penso que As Aventuras de Augie March é um livro extremamente rico, que se lê com muito agrado.
Reservo, para um próximo momento, a leitura de Herzog.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

"História secreta de um romance", de Mario Vargas Llosa

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Após recentemente ter lido Pantaleão e as Visitadoras, regresso a Mario Vargas Llosa, desta vez sob a forma de uma conferência proferida numa universidade americana em 1968. Não sendo nenhuma obra indispensável do autor, ainda assim encontrei neste curto volume (que se lê descontraidamente em pouco mais de uma hora) motivos de interesse que justificaram plenamente a leitura.
Como se adivinha pelo título, em História secreta de um romance Llosa revela o que está subjacente à criação de um romance (neste caso, especificamente ao romance A Casa Verde): a reciclagem de memórias e vivências do autor, a apropriação de personagens, etc. Para mim este curto texto funcionou com um convite explícito à leitura não apenas de A Casa Verde, como também de A Educação Sentimental e Salambô, de Flaubert (sendo que o primeiro destes livros do escritor francês é apontado por Llosa como o livro que levaria para uma ilha deserta).

domingo, 7 de junho de 2015

"Bairro Ocidental", de Manuel Alegre

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Ultimamente não leio tanta poesia como noutros tempos. Resultará isso do facto de estar a envelhecer, e/ou de (espero que não) estar a perder uma certa predisposição lírica? Na verdade, não estou em condições de recusar tais razões, mas o que é certo é que nestes últimos anos (por motivos que não vou explorar aqui) tenho tido menos acesso a livros de poesia, especialmente a livros recentes e dos novos autores que vão surgindo.
A leitura de Bairro Ocidental, de Manuel Alegre, aconteceu porque, como noutros tempos, o decidi fazer numa visita a uma livraria. Manuel Alegre não será dos meus poetas de eleição, mas, ainda assim, não lhe nego o interesse (que, no seu caso, passa por uma maneira muito própria - pelo menos é essa a minha impressão, até me ser provado o contrário - de trabalhar o português, e por uma expressividade algo combativa ou resistente em intenção). Ao ler a poesia de Alegre não me afetam grandemente quaisquer preconceitos que pudesse ter pela sua condição de deputado ou pelo seu papel histórico (por exemplo, de redator do preâmbulo da nossa constituição); isto é, sempre que contacto com a sua poesia, acabo por encontrar um punhado de poemas que me agradam a um nível global, universal.
Neste livro, entre outros motivos de interesse, encontrei uma visão desencantada (cansada, por vezes revoltada) face à sombria realidade política e económica do nosso país (aos excessos do liberalismo económico, às restrições à soberania nacional, à por vezes traumatizante subordinação aos mercados - tema também tratado por Luís Filipe Castro Mendes, em A Misericórdia dos Mercados). Assim, na primeira parte deste livro encontramos poemas intitulados "Resgate" ou "Cassandra e a Troika", e vários versos de desalento e de revolta: «não sei ser português sem Portugal»; «Na Eurolândia tudo é permitido / bruxela-se um país berlina-se outro» (versos do poema "Bairro Ocidental"). Há também poema de teor - passe a pobreza do juízo - mais livre e lírico, em que mais claramente se nota o já mencionado cuidadoso trabalho com a palavra.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

"D. Fernando", de Rita Costa Gomes

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Eis que, na sequência de D. João I, de Maria Helena da Cruz Coelho, lancei-me a ler D. Fernando, de Rita Costa Gomes. Tendo já lido as biografias (da coleção "Reis de Portugal") de D. Pedro I (pai de D. Fernando) e do sucessor de D. João I (D. Duarte), faltava preencher aquele "vazio". Genericamente ligo o reinado de D. Fernando à questão das guerras contra Castela (as três guerras fernandinas), a um período de fomes e epidemias (e suas consequências a nível social), à figura (muito ambígua) de D. Leonor Teles e à crise de sucessão após a sua morte (a sua filha D. Beatriz, recorde-se, havia casado com o rei de Castela fazendo perigar a independência nacional).
O trabalho de Rita Costa Gomes parece-me muito ponderado, problematizando os vários aspetos acima mencionados e não omitindo as dificuldades (como seja ultrapassar uma certa visão negativa que há deste monarca - um rei fraco, influenciado por Leonor Teles e sua família - e alguns aspetos calcificados a partir da crónica de Fernão Lopes) e os pontos mais sombrios (acerca da infância e juventude de D. Fernando, os estudiosos deparam-se com escassa informação, havendo necessidade de reconstituir estas fases da vida pelo que parece ser mais verosímil e provável). A política peninsular (a relação de Portugal com Castela e com os restantes reinos da Península) e as inflexões relativas à questão papal (o Cisma da igreja estala em pleno reinado de D. Fernando) são bastante bem exploradas e interrelacionadas nesta obra, o que resulta numa compreensão mais profunda de certas opções régias. Particularmente achei interessante conhecer as relações conturbadas mantidas com os seus meios irmãos (especialmente com D. João Castro e D. Dinis Castro, filhos do seu pai D. Pedro e de D. Inês de Castro), bem como o fim do seu reinado (a hipótese de envenenamento, a doença e o definhar nos seus últimos anos de vida).
Por último achei curiosos os textos (remetidos para anexo, embora fizesse sentido sintetiza-los numa introdução) "Esboço de uma mitografia do personagem de D. Fernando" (panorâmica sobre os várias visões sobre o rei ao longo dos séculos, destacando e problematizando os aspetos calcinados - os "mitos" -, que nem sempre são fáceis de ultrapassar) e "Leituras atuais sobre o rei e a época de D. Fernando" (revisão da historiografia do século XX até ao presente).
Próxima jornada (neste percurso pelas biografias régias) passará pelos reis D. Sancho II e D. Afonso III, cujos destinos, como é sabido, estão umbilicalmente ligados.