terça-feira, 25 de junho de 2013

"Amo Agora", de Casimiro de Brito e Marina Cedro

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"Amo Agora" é um livro a duas vozes - ou, como terá sido a pretensão dos autores, Casimiro de Brito e Marina Cedro (cantora e pianista argentina), um tango cantado/dançado a dois (como convém). Tal como acontece em "Amar a Vida Inteira", recentemente lido (curiosa a similitude das capas, ainda que em linguagens estéticas diferentes), os cem poemas desta obra focam a paixão e o amor físico (tema que considero algo difícil de trabalhar poeticamente, pois há sempre o risco de se cair em imagens feitas ou até banalidades).
Apesar das eventuais semelhanças, este livro possui uma musicalidade muito própria, como se se tratasse (de acordo com o que acima se escreveu) de uma mesma música - um tango. Tal resulta, julgo eu, do modo como os poemas, que de forma alternada se sucedem (ora em português, ora em castelhano), se vão respondendo, aproveitando palavras ou ideias dos anteriores. Esta repetição/recuperação de  imagens garante, assim, uma visível homogeneidade ao conjunto.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

"Outono Alemão", de Stig Dagerman

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Descobri Stig Dagerman há uns bons quinze anos atrás, quando comprei o romance "Vestido Vermelho" - livro que, na altura, se tornou um dos meus favoritos, ao ponto de o reler várias vezes nos anos seguintes. Do autor li ainda os romances "A Ilha dos Condenados" e "A Serpente".
Muito diferente é "Outono Alemão", reportagem que o autor escreveu para um jornal sueco com apenas 23 anos. Dagerman, no ano de 1946, empreendeu uma viagem através da Alemanha saída da guerra, relatando a destruição física e humana (tanto ao nível da sobrevivência como ao nível moral) dos alemães. Uma visão, portanto, não muito comum, na medida em que mostra o dia-a-dia da população germânica no período imediatamente subsequente ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando o território se encontrava ocupado pelas potências aliadas.
O autor, num discurso impressivo mas simultaneamente sombrio, relata a história de vários grupos de pessoas num mundo em ruínas: dos mais humildes, que perderam as suas casas e lutam diariamente por umas quantas batatas; dos mais jovens que, dois anos antes, estavam perfeitamente enquadrados nas instituições ideológicas nazis e agora se encontram sem referências alternativas; das elites mais ou menos comprometidas com o passado, mas que, dado os interesses dos aliados, permaneceram intocáveis na cúpula da sociedade; dos políticos que tentam converter os alemães, após mais de uma década de nazismo, à democracia...

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"A Vida Conjugal no Antigo Regime", de François Lebrun

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Acabei de ler "A Vida Conjugal no Antigo Regime", de François Lebrun, livro que comprei há uns anos atrás por um preço irrisório. Apesar de ter sido originalmente publicado em meados da década de 1970, esta pequena síntese ainda consegue ter algum interesse (apesar da multiplicidade de estudos entretanto realizados, tanto em França como na restante Europa, que vieram trazer maior profundidade à temática). O título do livro, como tantas vezes aconteceu na historiografia francesa (e em especial na de divulgação), pode ser enganador por omisso, isto porque o livrinho se refere tão somente à realidade desse país (e a uma realidade ainda, à data, limitada e condicionada a um punhado de estudos locais e regionais). De qualquer modo, pode servir como porta de entrada a todos os que são estranhos ao tema (esta obra ajuda nomeadamente a situar certos comportamentos conjugais no quadro moral e normativo vigente na Idade Moderna), uma vez que a sua linguagem é simples e acessível.

sábado, 15 de junho de 2013

"O Sapo no Horizonte", poemas de Stephen Crane

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"O Sapo no Horizonte" é uma coletânea bilingue (organizada e traduzida por Hélio Osvaldo Alves) da poesia do escritor e poeta americano Stephen Crane, o qual, por ter falecido aos 28 anos, publicou apenas dois livros de poesia. Os seus poemas são geralmente curtos e simples, mas subtilmente significativos; neles se nota um certo tom simultaneamente desencantado e heurístico. Pelo interesse dos poemas selecionados, este é um livro que gostaria bastante de ter na minha biblioteca.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

"Servidões", de Herberto Helder

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Acabo de ler "Servidões", de Herberto Helder. Uma sensação estranha, de um certo arrebatamento; por acaso terei acabado de ler uma pequena obra-prima, dentro da poesia portuguesa?
Este livro surpreendeu-me. Conheço razoavelmente bem (dentro do que está disponível e me é possível aceder) a obra de Herberto Helder, a sua originalidade e força; porém, este livro, ainda que na continuidade do anterior, apanhou-me um pouco desprevenido (culpa minha?), causando-me uma grande impressão.
O poeta, com os seus oitenta e dois anos, parece-me algo diferente nestas páginas: a sua voz afigura-se-me mais frágil (desalentada?), talvez até mais humana - mas não necessariamente mais dócil (pense-se por exemplo no modo cáustico como o poeta se refere aos académicos, que nos seus estudos dissecam dores alheias, abstratas, ainda que estas possam ser dores reais); julgo que, eventualmente, é também uma voz um pouco mais transparente... Mas não poderá tudo isto ser uma ilusão, um artifício, uma falsificação, uma mistificação? Obscuro até ao fim?
A morte, nestas poucas páginas, é omnipresente - daí, por vezes, ter ficado com a sensação de estar a ler o epitáfio de um grande poeta, o balanço de uma vida.
Sobre os versos, em concreto, não falo - não sou competente. Apenas me é possível alinhavar umas quantas impressões, interpretações. Acabado o livro, vou começar de imediato a releitura.

terça-feira, 11 de junho de 2013

"Poesia", de Ricardo Reis

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A obra de Fernando Pessoa, nas suas múltiplas facetas, é um universo incontornável na literatura portuguesa (e até universal). O que posso eu dizer da "Poesia" do heterónimo pessoano Ricardo Reis, sem cair em lugares comuns? Talvez apenas - e aceitando a minha derrota - que é sempre um imenso prazer revisitar esta obra.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

"O Príncipe", de Nicolau Maquiavel

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Gosto de ler os chamados "clássicos" (a sua leitura é muitas vezes essencial para compreender a literatura e a cultura que se manifestou após a sua publicação). "O Príncipe", de Maquiavel, escrito em inícios do século XVI, é, conjuntamente com outros títulos (destacaria "Elogio da Loucura", de Erasmo de Roterdão, e "A Utopia", de Tomás Morus), um texto obrigatório do Renascimento.
Este é, seguramente, um texto complexo, passível de várias (e por vezes contraditórias) interpretações, mas há sempre que considerar o contexto (nomeadamente político, tendo em conta a realidade italiana, mas também cultural) em que foi escrito (pense-se, por exemplo, na defesa que o autor faz do uso da crueldade em certas situações, aspeto que tem que ser enquadrado no seu tempo). Nas suas páginas fala-se do exercício do poder pelo príncipe (como consolidar o seu poder e como o manter; como triunfar sobre os seus inimigos), apresentando diferentes modelos e suportando-se em exemplos da história clássica mas também da história sua contemporânea (considere-se, por exemplo, a admiração expressa pelo filho do papa Alexandre VI, César Bórgia, referido como modelo do governante astucioso, disposto a usar todos os meios ao seu alcance para triunfar). O governante, de acordo com esta obra de Maquiavel, deve comportar-se de uma forma inteligente na condução do Estado, colocando os interesses deste em cima dos próprios.
Quem o ler, numa perspetiva culta, contextualizada e não literal, encontrará certamente as razões que transformam esta obra num "clássico".

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Ver a Voz, Ler o Rosto. Uma polaróide de Herberto Helder", de Diana Pimentel

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Não é, para mim, muito frequente ler trabalhos de exegese literária. A leitura de "Ver a Voz, Ler o Rosto. Uma polaróide de Herberto Helder", de Diana Pimentel, tratou-se, portanto, de uma exceção, que se deveu a um quase choque acidental com o livro, enquanto procurava um outro ("Ouolof") na biblioteca pública.
Neste texto a autora debruça-se sobre duas obras de Herberto Helder: "Apresentação do Rosto", obra que o autor viria a enjeitar e que poucos terão tido a oportunidade de ler, e "Photomaton & Vox", uma miscelânea de textos poéticos (?), autobiográficos (?), ensaísticos (?). Grosso modo, pode dizer-se que este livro reflete sobre o processo herbertiano de criação literária (talvez parte da originalidade da obra de Herberto Helder assente na originalidade do seu processo de escrita).
"Ver a Voz, Ler o Rosto" não é um texto fácil - pelo contrário, a escrita é algo densa, em parte devido ao caráter abstrato de alguns dos seus conceitos e ideias de base (mas julgo que também por opção da própria autora, que talvez tenha procurado assim, pela complexificação da linguagem, chegar mais perto do universo complexo ou mesmo obscuro de H. Helder). De qualquer modo, é um texto que convida a ler os escritos do autor madeirense com outra profundidade.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Ouolof", poemas mudados para português por Herberto Helder

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Na sequência de "As magias", reli este "Ouolof", volume de poemas mudados para português por Herberto Helder. Assinala-se, de novo, a presença de poemas maias e ameríndios nas páginas deste livro (sendo que não fiquei muito convencido com a tentativa de "reinventar" a linguagem, no poema dos índios Caxinauás, da Amazónia).

quarta-feira, 5 de junho de 2013

"A Vida Eterna", de Fernando Savater

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"A Vida Eterna" é o livro de um pensador declaradamente ateu (Fernando Savater) sobre religião, morte, vida eterna. Esta leitura, de certa forma, vem na sequência de "Porque não sou cristão", de Bertrand Russell - livro, aliás, citado logo na primeira página da obra de Savater. Há que dizer que, apesar da proximidade temática (mesmo que o livro de Russell não tenha a unidade e a congruência estrutural deste, visto tratar-se de uma coletânea de artigos), são obras muito diferentes; no fim, tenho que assumir que me agradou bem mais a obra do autor espanhol (e não o digo pela sua maior atualidade, mas sobretudo pela inteligência argumentativa).
Sendo o primeiro livro que leio da autoria de Savater, gostei bastante da sua clareza expositiva, mas também de alguns apontamentos humorísticos que pontuam o texto. É um livro muito bem escrito, suportado em várias obras recentes, que - longe de ser uma apologia do ateísmo - desconstrói algumas falácias tantas vezes repetidas pelos porta-vozes do campo religioso. Questiona o conceito de "verdade", para o distanciar dos de "crença" e de "fé"; reflete sobre a relação de Deus com o Homem (uma relação sem paridade, unilateral, mas sobretudo interpretativa); mostra o caráter totalitário do Cristianismo (que se autodenomina - como aliás outras religiões - detentora da verdade absoluta, e defensora da verdadeira moral), mas também o perigo da religião conduzir a política e a sociedade (o difícil convívio com a liberdade de pensamento e de consciência, e com as distintas noções de moralidade); defende o tipo de papel que a religião dever ter (uma opção individual de cada pessoa e não mais do que isso) nas sociedade modernas, democráticas; reflete sobre o significado da morte, pondo em perspetiva a interpretação cristã.
Seguramente uma leitura de grande interesse, com a vantagem de não se lançar em obscuras e abstratas deambulações metafísicas.

domingo, 2 de junho de 2013

"As magias. Alguns exemplos", poemas mudados para português por Herberto Helder

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Quanto a mim, não sei línguas. Trata-se da minha vantagem. Permite-me verter poesia do Antigo Egito desconhecendo o idioma, para português. Pego no Cântico dos Cânticos, em inglês ou francês, como se fosse um poema inglês ou francês, e, ousando, ouso não só um poema português como também, e, sobretudo, um poema meu. Versão direta, diz alguém. Recriação pessoal, diz alguém. Diletantismo ocioso, diz alguém. Não digo nada, eu. Se dissesse, diria: prazer. O meu prazer é assim, deambulatório, ao acaso, por súbito amor, projetivo. Não tenho o direito de garantir que esses textos são traduções. Diria: são explosões velozmente laboriosas. O meu labor consiste em fazer com que eu próprio ajuste cada vez mais ao meu gosto pessoal o clima geral do poema já português: a temperatura da imagem, a velocidade do ritmo, a saturação atmosférica do vocábulo, a pressão do adjetivo sobre o substantivo.
Uma pessoa pergunta: e a fidelidade? Não há infidelidade. É que procuro construir o poema português pelo sentido emocional, mental, linguístico que eu tinha, subrepticiamente, ao lê-lo em inglês, francês, italiano ou espanhol. É bizarramente pessoal. Mas não há infidelidade que não o seja. Senão, claro, a ainda mais bizarra fidelidade gramatical que, de tão neutra, não pode ser fidelidade
.
(in H. Helder, Photomaton & Vox)

Neste livro "As magias", como aliás acontece noutros, Herberto Helder não assume tratar-se de uma coletânea  de poesia traduzida; trata-se sim de um conjunto de "poemas mudados para português". Nele podemos encontrar alguns ecos de culturas ancestrais, bem como escritos de autores do século vinte.
Pessoalmente, o que mais valorizei neste livro (como também noutros similares deste autor) é a seleção em si dos poemas - deparei-me com algumas boas surpresas na diversidade de vozes; também o caráter místico-mágico que perpassa pelas cerca de sessenta páginas consegue ser bastante sugestivo.

sábado, 1 de junho de 2013

"Dublinesca", de Enrique Vila-Matas

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Seguramente que "Dublinesca", de Enrique Vila-Matas, não é um dos livros mais interessantes que li do autor. Falta de imaginação, como já ouvi outro leitor reclamando? Não diria tanto...
Um dos aspetos que me agrada em Vila-Matas é o facto de introduzir frequentes menções a livros e autores - julgo ser simpático ver as referências literárias do autor (ainda que em Vila-Matas, dada a abundância de referências, haja sempre a possibilidade de algumas o serem apenas dos personagens, e não necessariamente do autor). Neste "Dublinesca, contudo, não consegui ser cativado, nem pela escrita (esta, em certos momentos, aproxima-se demasiado da alienação - ou mesmo loucura, delírio - em que vive o personagem principal), nem pela história (a de um ex-editor literário em crise - julgo não ser forçado empregar o termo "existencial", ainda que também o fosse espiritual -, que empreende uma espécie de fuga para a Dublin de Joyce). Tenho que reconhecer que, especialmente em certas passagens, o romance me pareceu demasiado errático, e as citações a autores excessivas. Um livro que, por isto, dificilmente revisitarei.
Um último comentário: ainda que não saiba se terei a capacidade para o fazer, esta leitura inoculou-me um certo desejo de ler "UIysses", de James Joyce...