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É sempre para mim um prazer regressar à escrita de Gogol. Neste volume pude reler alguns dos contos que mais aprecio do autor (arriscaria dizer que alguns constam, conjuntamente com o seu romance inacabado Almas Mortas - obra que talvez não tarde a reler -, no conjunto das suas obras mais brilhantes): O Nariz, O Capote ou O Retrato. Como fica explicitado na introdução, apenas A Caleche não é exatamente um "conto de São Petersburgo", uma vez que a ação não se desenrola nessa cidade; por outro lado, em Avenida Névski a cidade é a personagem principal nas primeiras páginas (é delicioso a acuidade com que Gogol descreve a sociedade que frequentava aquela artéria, os seus tiques, indumentárias, penteados e até bigodes, etc.).
Na escrita de Gogol há sempre um toque de fantástico, de estranho, de absurdo (não pude deixar de, ao ler O Nariz, encontrar semelhanças com a ambiência inicial de A Metamorfose, de Kafka - o absurdo da situação chega da mesma forma, inesperadamente, sem razão aparente); há também um inconfundível humor, pleno de sarcasmos e de sátira social (Gogol, por exemplo, não se inibe de apontar os maneirismos e servilismos do funcionarismo russo, mas também a insignificância e a pobreza dos pequenos funcionários), de remoques às modas e estéticas (nomeadamente as literárias - a existência de comentários metaliterários são, aliás, um aspeto extremamente moderno na sua escrita), de sentido de ridículo e de acusação à mesquinhez e à sobranceria, mas também - ainda que não muito marcadamente - às desigualdades sociais.
Agradou-me relembrar O Capote, talvez a primeira coisa que li do autor. O personagem principal deste conto é um pequeno funcionário cujo capote está num estado tão miserável que já não possibilita qualquer remendo; o rigor do inverno de São Petersburgo obriga-o, com muito sacrifício, a comprar um novo agasalho... Relativamente a O Nariz, lembrava-me bem do enredo: o protagonista, caracterizado como uma pessoa com o nariz empinado (neste caso, cioso do seu título hierárquico no funcionalismo e do respetivo estatuto), acorda sem nariz (!), reconhecendo-o na rua, vestido com o uniforme de conselheiro de Estado... O nonsense, como facilmente se percebe, predomina nesta história. Por sua vez, O Retrato é acima de tudo um conto fantástico: o olhar penetrante de um retrato parece ter um estranho e nefasto efeito sobre os seus detentores. O último conto que falta referir é Diário de um Louco - um relato diarístico delirante, pautado pelo humor.
Uma coletânea que merece, pois, ser lida. Gogol é um autor absolutamente delicioso, e a sua escrita única; julgo ser fácil perceber porque é colocado no panteão dos grandes autores russos, ao lado de Dostoievski, Tosltoi, Pushkin...
Uma coletânea que merece, pois, ser lida. Gogol é um autor absolutamente delicioso, e a sua escrita única; julgo ser fácil perceber porque é colocado no panteão dos grandes autores russos, ao lado de Dostoievski, Tosltoi, Pushkin...
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