sábado, 28 de novembro de 2015

"O Clube Dumas", de Arturo Pérez-Reverte

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Se há algo que, para mim, este livro mostra é que Arturo Pérez-Reverte é um exímio narrador: nele se constrói um enredo cativante - ainda que algo delirante - para o leitor comum (o autor inspira-se assumidamente na fluidez mas também na criação de suspense dos folhetins oitocentistas), mas simultaneamente rico em intertextualidades literárias (as referências literárias - desde logo Dumas, mas também Poe, Christie, Eça, entre vários outros - são constantes) que podem agradar a outro tipo de leitor. O Clube Dumas é uma espécie de policial bibliófilo fundido com a história de aventuras; julgo que não é abusivo dizer que o autor presta, em certa medida, homenagem a O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie, para além do sempre omnipresente Os Três Mosqueteiros.
Posto isto, devo assumir que este livro ficou aquém do esperado. Não conhecendo a adaptação cinematográfica da autoria de Roman Polanski, li este livro com a bonomia praticamente isenta de ideias feitas de quem apenas leu um livro do autor - neste caso O Mestre de Esgrima. E, assim, se nos primeiros capítulos, o livro teve bastante encanto para este leitor (a pesquisa de Lucas Corso, um "mercenário da bibliofilia, um caçador de livros por conta alheia", relativa à autenticidade de um manuscrito de Dumas), gradualmente, à medida em que cresceu o peso da investigação em torno de uma obra de demonologia, comecei a recear que o autor caísse na tentação do sobrenatural (tão visível nesses bestsellers da moda, que misturam suspense e aventura com com as mais variadas confabulações esotéricas, conspirações de igrejas, etc.). Infelizmente, e especialmente depois de ler o décimo capítulo (com a entrada de um estranho personagem feminino), vi confirmado o meu receio - ainda que o autor deixe as coisas suficientemente vagas até praticamente ao fim. O livro não é verosímil, mas isso nem é importante - não é necessário ser-se em literatura; quando entrou em cena o domínio das ditas "ciências do oculto" tive esperança que Pérez-Reverte tivesse um posição de distanciamento irónico como Umberto Eco em O Pêndulo de Foucault (obra-prima em que se olha o mundo artificioso dos cultores acríticos do oculto, do misterioso, do esotérico, do místico).
Reconheço que este livro tem mais potencial - é mais complexo e inteligente - que O Mestre de Esgrima, anteriormente lido; no entanto, como pessoalmente não tenho interesse por esse tão comercial (mas perfeitamente banal e por vezes ridículo) universo que enche prateleiras nas livrarias sob a denominação de fantástico, não posso negar o meu desapontamento.

sábado, 21 de novembro de 2015

"Número Zero", de Umberto Eco

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Umberto Eco é uma personalidade que admiro - como medievalista, como pensador, como escritor. Por isso, é sempre com alguma curiosidade que recebo a notícia de uma nova publicação sua. Quando este Número Zero foi editado em Portugal, tomei nota para posterior leitura; eis que, em virtude de um empréstimo, pude finalmente lê-lo .
À partida posso dizer que genericamente me agradou, apesar de estar longe das suas obras melhores (e de maior fôlego e alcance intelectual). De certo modo, achei que Número Zero segue um pouco a obsessão de Eco pelo problema da verdade, das manipulações (seleções, omissões, interpretações pouco inocentes, etc.) da realidade, da criação de confabulações, teorias da conspiração, mitomanias. Considerando os livros que li e o que conheço da obra do autor, este romance tem muitos pontos de contacto com O Pêndulo de Foucault, obra que me fascinou imenso (e que, com Eco o notou, quase antecipou a moda desse subgénero do policial de inícios deste século - os códigos disto e daquilo, os manuscritos qualquer coisa, etc., ricos em misturar histrionicamente a confabulação com um frágil e deturpado conhecimento histórico para assim alcançar elevadas vendas). Tal como esse romance, Número Zero parece dizer-nos que por mais estulta que seja uma ideia ou toda uma teoria, há sempre quem estultamente (isto é, sem qualquer espirito crítico) se renda. O personagem Braggadocio talvez tenha sido vítima da sua teoria - nada nos garante, realmente, se assim aconteceu; mas, afinal, não o serão todos os crédulos?

domingo, 15 de novembro de 2015

"Chet Baker pensa na sua arte", de Enrique Vila-Matas

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Chet Baker pensa na sua arte não é exatamente um romance - e o fantástico (é mesmo isso que me vai fascinando na obra de Vila-Matas) é que tal não constitui desvantagem nenhuma. Se, por exemplo, o meu mui amado Bartleby & Companhia me encanta pela deambulação ensaística no mundo dos "escritores do não" (os autores de uma só obra,  por exemplo); se Doutor Pasavento (livro que, aliás, muito me agradaria poder reler) me fascinou pela comunicação quase filosófica com a obra de Robert Walser; se, mais recentemente, me senti convidado/desafiado a ler Ulisses, de James Joyce (de quem apenas lera Gente de Dublin), após o seu Dublinesca;  este Chet Baker pensa na sua arte (a aqui a referência ao trompetista americano é praticamente estética e quase acidental) agradou-me por questionar os cânones do romance (Enrique Vila-Matas pensa na sua arte?), mas também por me desafiar de novo a abordar certas obras e autores (é longa a lista: Gombrowicz, Gadda, Gaddis, por exemplo - engraçado: todos nome começados por "G").
Assumidamente intelectual, esta obra é, a meu ver, caracterizada pela desconstrução: o autor recorre em permanência à reflexão sobre a literatura (tradição/cânone versus rutura/experimentação);. Aparentemente para Vila-Matas escrever é uma forma de homenagem às Letras; por tal razão não me parece despicienda ou pedante a constante citação às suas referências culturais (onde se incluem os portugueses Pessoa, Lobo Antunes e Herberto Helder) - Joyce, autor do literariamente radical (e por isso mesmo possivelmente intraduzível) Finnegans Wake, é apontado como ícone do extremo arrojo (em contraste com os escritores mais preocupados com "contar uma boa história").
Vila-Matas tem, de facto, sido um autor valioso no meu percurso como leitor, especialmente por me incentivar à descoberta de outros escritores "cultos"; o seu "estilo" - a sua forma de escrever - meditativa e inteligente, que funde o romanesco com o ensaístico agrada-me bastante. Não tendo este Chet Baker pensa na sua arte sido dos melhores livros que li do autor, ainda assim achei-o extremamente estimulante, desafiante, mas também (de uma forma superior e subtil) divertido.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

"A Família", de Mario Puzo

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Não tenho muito a dizer sobre este livro. Ou, posto de outra forma, não me agradou. Admito que A Família possa não fazer justiça à escrita de Mario Puzo - afinal, o autor não terminou esta obra, tendo a mesma sido completada pela sua companheira Carol Gino (sem que seja possível saber até onde vai a extensão da coautoria).
Em todo o caso, Puzo, consagrado autor de histórias de máfia, embrenhou-se na sensacionalista saga (palavra que o marketing editorial passou a usar - e abusar - nos últimos anos como se tal etiqueta fosse garante de alguma coisa que não fastfood literário - perdoem-me a violência deste comentário) dos Bórgia, família que marcou a vida da Itália renascentista. Ambição, poder, corrupção, ganância, violência, luxúria, incesto: eis os ingredientes (os ingredientes certos para a produção em série de bestsellers - ou, como o colocou Alexandre O'Neill numa das suas crónicas, de "bestas céleres") da história desta família, que segundo a informação do posfácio fascinavam Puzo. A linguagem simples (monotonamente simples), as tiradas "pedagógicas" (para o leitor pouco familiarizado com a cultura renascentista não se perder), a prevalência da ação e dos diálogos fazem com que A Família seja fácil de ler (qual série televisiva, procura-se sempre prender o leitor de um capítulo para o seguinte, ora com uma intriga, com uma suspeita, com uma pontinha de sangue) - fácil a um nível demasiado primário, receio bem. Literariamente, é um obra bastante pobre. 
(Um aparte curioso, como exemplo das imprecisões históricas que o livro também contém: dificilmente um personagem de finais do século XV, inícios de XVI poderia apreciar um "vinho do Porto" - é que tal produto de excelência só terá surgido um século mais tarde...).
Apesar desta leitura frustrada, conto no futuro dar uma oportunidade ao autor. Sabendo que este não é um livro terminado, apurado, polido pelo autor (e, simultaneamente, que teve mão alheia), é arriscado colocar um anátema sobre Mario Puzo. Este livro em concreto, no entanto, parece-me a evitar.