sábado, 19 de abril de 2014

"Herbert West: Reanimador", de H. P. Lovecraft

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Herbert West: Reanimador, do americano H. P. Lovecraft, é uma novela de terror. O personagem principal, o doutor West, assistido pelo narrador, pretende reanimar humanos recém falecidos mediante uma solução química inovadora. Ao longo das páginas desta novela, acompanhamos as várias experiências realizadas com essa finalidade (em cadáveres "frescos" subtraídos de cemitérios, ou desviados de hospitais militares de campanha), bem como os resultados obtidos (frequentemente, as experiências de reanimação resultavam em assustadoras aberrações...). As permanente recapitulações (compreensíveis no contexto da publicação original - os vários capítulos foram sendo publicados em números diferentes de uma revista) acabam por quebrar um pouco o interesse ao leitor moderno. Este volume contém ainda duas outras histórias: Celephais, de caráter onírico, e A Oliveira, uma narrativa algo fantástica.
No geral, nem as temáticas das três histórias referidas, nem as particularidades da escrita de H. P. Lovecraft me entusiasmaram por aí além...

terça-feira, 15 de abril de 2014

"O Crime de Lorde Arthur Savile", de Oscar Wilde

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O Crime de Lorde Arthur Savile é uma novela que se lê com bastante agrado. Nesta curta história, Oscar Wilde, fazendo uso de uma linguagem cuidada e rica, brinca com os conceitos de destino e de livre arbítrio.
Quando numa festa da alta sociedade Lorde Arthur Savile toma conhecimento da presença de um quiromante, procura satisfazer a sua curiosidade conhecendo o que o futuro lhe reserva. Porém, ao ler-lhe a mão, o quiromante não consegue dissimular o seu nervosismo e constrangimento: há um ato homicida no caminho de Lorde Savile! O que se segue, após um justificado período de choque, é inesperado: o protagonista, após adiar o seu casamento, decide tomar o destino nas suas mãos e acelerar a fatalidade inevitável... e planeia matar uma prima em segundo grau (!). Mas, apesar dos seus preparativos para a envenenar, esta acaba por defraudar-lhe os planos falecendo naturalmente... Para sua frustração, também uma segunda tentativa de adiantar-se à fatalidade falha... O mérito de Oscar Wilde quanto a mim está, sobretudo, em dois pontos: no modo inesperado como fecha a novela e, complementarmente, na maneira como permite ao leitor fazer duas interpretações. 
O livro inclui ainda um curto conto intitulado "A Esfinge sem Segredo" que, apesar do seu menor interesse, também se lê bem.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

"A Queda da Casa de Usher", de Edgar Allan Poe

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Não é por acaso que Edgar Allan Poe é considerado um dos pioneiros da literatura de suspense: as três histórias presentes neste livro - a saber: "A Queda da Casa de Usher", "Uma Descida ao Maelström" e "O Homem da Multidão" - mostram de forma clara a capacidade do autor em causar um certo desconforto no leitor, fundamentalmente através das suas caracterizações - algo sombrias e inquietantes - de ambientes e personagens.
Na história que dá título ao volume, o sobrenatural alia-se ao terror: o narrador, acorrendo ao apelo de uma amigo de infância, assiste à ruína dos Usher, dois irmãos vivendo isolados numa "mansão das trevas" na companhia da doença e da morte... "Uma Descida ao Maelström" foi a história que mais apreciei: um velho guia conta a forma extraordinária como sobreviveu à força devoradora de um mítico redemoinho... O poder descritivo de Poe (a forma como descreve a violência do redemoinho, o poder da tempestade e a angústia vivida pelos tripulantes de uma pequena embarcação) garante interesse à narrativa. A última história vale essencialmente - para mim - pela descrição dos vários tipos sociais que, de um café londrino, o narrador observa...

quarta-feira, 9 de abril de 2014

"Antigos Mestres", de Thomas Bernhard

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Uma "comédia", a obra Antigos Mestres, de Thomas Bernhard? Talvez seja um epíteto exagerado, ainda que, num determinado sentido (cínico?), o possamos compreender (parece, de facto, haver qualquer coisa de trágico-cómico neste romance do autor austríaco). De qualquer forma, uma obra seguramente carregada de ironia, ou de algo (humor?) extremamente ácido e corrosivo...
A escrita de Bernhard, como já se escreveu noutro texto (o primeiro de caráter apreciativo, aliás, a ser publicado neste blogue), é bastante singular: a sua prosa, isenta de parágrafos ou capítulos (os seus livros são normalmente constituídos por um único parágrafo, aonde se vão sobrepondo vários níveis de ação), é pontuada por sucessivas repetições que quase poderão parecer monótonas ou, no mínimo, obsessivas. Mas nestas repetições, julgo eu, está um dos segredos da escrita do autor: é que com este voltar várias vezes aos mesmos temas, às mesmas ideias (ainda que com fugas, variações e reformulações pelo meio, que ora acrescentam ou pormenorizam, ora corrigem ou mesmo contradizem - daí se poder reconhecer na escrita bernhardiana um ritmo quase musical, sinfónico), o leitor é agarrado (ao fim de umas quantas passagens por uma ideia já lhe reconhece os contornos, ainda que estes sejam fugidios)! Além disso, é uma escrita em que, de uma forma irrepreensível e milimetricamente rigorosa, se vão cruzando várias perspetivas (mesmo que em Antigos Mestres sigamos a escrita-pensamento do narrador, vamos escutando os ecos das suas conversas com outro personagem).
Tal como acontece em todas as obras que já pude ler do autor, são inúmeras as referências à cultura ocidental; neste livro, os "antigos mestres" (os ditos "nomes grandes" da pintura) são frequentemente referidos, bem como o são escritores, compositores e suas obras. O mundo da cultura (da "alta cultura", por oposição à cultura popular) é, pois, um dos territórios de eleição de Bernhard - sobretudo para o criticar (o pretensiosismo desse mundo, a falta de gosto de quem o encima, a decadência) ou mesmo amesquinhar...
Em Antigos Mestres, a narrativa desenvolve-se em pouco mais de uma ou duas horas. Reger (um musicólogo de 82 anos, viúvo, reconhecido internacionalmente - mas não na Áustria - pelos seus artigos no britânico Times - artigos esses que o próprio considera, nada modestamente, pequenas "obras de arte") havia combinado no dia anterior encontrar-se com Atzbacher (seu amigo de longa data, escritor-filósofo ainda que sem obras publicadas - é ele o narrador desta história) às onze e trinta no Museu de História de Arte de Viena. Atzbacher, no entanto, chega com uma hora de antecedência para poder observar o amigo na sua contemplação de uma tela de Tintoretto (Reger tinha o hábito, há mais de 30 anos, de passar, de dois em dois dias, as manhãs sentado frente aquele quadro: aquele era o seu lugar de produção intelectual, de intenso pensamento); pontualmente (isto acontece a meio do livro), Atzbacher senta-se ao lado do velho musicólogo e o diálogo da véspera, ou de sempre, é continuado...
Há na escrita de Bernhard - pela voz e pelo pensamento dos seus personagens - um enorme cansaço ou tédio por tudo, uma deceção amarga e um pessimismo ontológico, uma imensa revolta. Em tudo se vê corrupção, falsidade, mediocridade - mesmo nos aparentemente perfeitos e intocáveis "antigos mestres" (estes, afinal, nada mais procuraram que fama ou dinheiro, servindo subservientemente os maiores - ou os piores, mais abjetos - senhores...). Daí que prevaleça uma "estética do exagero": a realidade, longe de ser retratada fielmente, é caricaturizada com as cores mais agressivas; as críticas são levadas ao extrem, à quase aniquilação!
A Áustria é apodada de "horroroso país", onde a «(...) baixeza geral inimiga do espírito (...) reina por toda a parte». E mais se diz: «Na Áustria é preciso mediocridade para se poder falar e ser tomado a sério, é preciso ser um homem de incompetência e doblez provinciana, um homem com uma cabeça inteiramente de pequeno Estado. Um génio ou mesmo um espírito extraordinário é aqui, mais tarde ou mais cedo morto de uma forma aviltante». O austríaco, por sua vez, é acusado de "hipócrita oportunista nato"; e dos vieneses diz-se que «(...) está provado cientificamente que o vienense só utiliza uma vez por semana o sabonete, tal como está cientificamente provado que ele só muda de cuecas uma vez por semana.» Os jornais austríacos seriam os mais repugnantes, e os políticos desse país corruptos impunes, com reminiscências católicas ou mesmo nacional-socialistas. Porém, apesar deste azedume todo face à Áustria, o personagem Reger acaba por concluir que os outros países são igualmente (se não mesmo mais) vis, perversos, falsos, mas «(...) só o nosso país é que nos interessa alguma coisa».
Também os professores são visados: «Não há nenhum gosto artístico mais medíocre que o dos professores. Os professores estragam logo na escola primária o gosto artístico dos alunos, tiram-lhes logo de início o interesse pela arte, em vez de lhes explicarem a arte e especialmente a música, de modo a que possam constituir um prazer.»; e ainda «A maior parte dos nossos professores são pobres criaturas, cuja missão na vida parece consistir em trancar a vida aos jovens e torna-la por fim numa horrível deprimência. Também para a profissão de professor são vão as cabeças mesquinhas, perversas e sentimentais, da classe média mais baixa.» Perante isto, a instituição escolar não podia sair incólume: «Quando ia para a escola, ia para o Estado e como o Estado destrói as pessoas, ia para o estabelecimento de destruição de pessoas».
O mundo das artes, como já se aludiu, também não escapa. Sobre os artistas diz-se que «(...) são os mais hipócritas, ainda muito mais hipócritas que os políticos»; além disso, são subservientes (colocando-se ao serviço do Estado, do poder) e imperfeitos nas suas obras (quando olhadas com profundidade, todas as "grandes" obras revelam defeitos, ou mesmo aspetos kitsch). Os maiores artistas austríacos são arrasados por Reger, como acontece com o escritor Adalbert Stifter, e os compositores Anton Bruckner ("compositor miserável") e Gustav Mahler ("compositor mediano", "sobrestimado"; com ele a música austríaca atingiu "o seu ponto mais baixo"); mas também não são esquecidos o filósofo alemão Martin Heidegger ("charlatão filosófico") ou Ludwig van Beethoven ("figura inteiramente repugnante").
Talvez a comédia esteja, então, neste tom (auto)destrutivo, absolutamente cáustico, mas também (à imagem daquele final absolutamente delicioso de Os Maias, em que há um reconhecimento de se ter falhado a vida) o reconhecimento da derrota perante o estado das coisas - a decadência sem fim...

terça-feira, 8 de abril de 2014

"Resumo - a poesia em 2013", de vários autores

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Resumo - a poesia em 2013 prossegue um feliz projeto, iniciado há já uns bons anos (o do ano passado foi referenciado neste blogue), de reunir num volume - posto à venda pontualmente no Dia Mundial da Poesia a um preço económico - alguns dos melhores poemas publicados no ano anterior. Desta vez, a antologia resulta das escolhas de José Alberto Oliveira, José Tolentino Mendonça, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas.
O livro contém poemas de trinta e sete autores; em dois casos (A. M. Pires Cabral, José Tolentino Mendonça) tive oportunidade de ler integralmente os livros citados (e a impressão foi, relembre-se,  muito positiva em ambos os casos). Porém, nesta antologia há uma ausência gritante: Herberto Helder, que no ano passado lançou o seu Servidões tão unanimemente reverenciado; numa nota editorial pode ler-se que «o autor não autorizou» a republicação de alguns dos seus poemas nesta coletânea.
Como é compreensível houve poemas que gostei mais que outros (se tivesse que fazer algum destaque, não poderia deixar de assinalar os poemas de António Ramos Rosa, falecido no ano em questão); por outro lado, julgo que desta seleção não resultou nenhuma revelação especial - de um modo geral, já conhecia os poetas antologiados. Ainda assim, é um livro indispensável na minha biblioteca.
Esperarei, pois, que esta iniciativa poética continue por muitos anos.

domingo, 6 de abril de 2014

"A Misericórdia dos Mercados", de Luís Filipe Castro Mendes

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Para começar, direi que me parece excelente o título do mais recente livro do poeta Luís Filipe Castro Mendes: A Misericórdia dos Mercados. A situação do nosso país (a tal crise que por vezes quase parece atingir proporções existencialmente épicas) é, pois, um dos "assuntos" identificáveis em nesta obra. «Nós vivemos da misericórdia dos mercados. / Não fazemos falta. / O capital regula-se a si próprio e as leis / são meras consequências lógicas dessa regulação, / tão sublime que alguns vêem nela o dedo de Deus. / Enganam-se. / Os marcados são simultaneamente o criador e a própria criação. / Nós é que não fazemos falta.», pode ler-se no poema que dá nome ao livro. Um outro poema, de forma sintomática, intitula-se: "Para quê poetas em tempo de indigência?".
Mas desengane-se quem pense que esta é uma obra que se encerra numa abordagem sociopolítica da realidade conjuntural. Castro Mendes debruça-se sobre muitos temas, entre os quais o seu regresso à poesia, revelando a meu ver um grande cuidado com a palavra.
Em suma, e fugindo a mais considerações vagamente bacocas: um livro que li em poucos dias e que me agradou bastante.