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Julian Barnes é autor de O Papagaio de Flaubert, livro que muito prazer me deu descobrir, e que é um dos meus primeiros contactos com aquele tipo de literatura que, sem timidez, se funde com o ensaio. Esse é, para mim, um livro brilhante (brilha na minha "mitobibliografia"), que me marcou imenso, que reli umas quantas vezes (e conto outras tantas reler) para reencontrar (e de facto reencontrei sempre) o imenso prazer de o estar relendo. Acontece, porém, que já não leio um livro de Julian Barnes há uns tempos; e mais: o bom conceito que tenho do autor, assenta - com o livro agora lido - em apenas três livros (o que é manifestamente pouco e só me incentiva a procurar descobrir os que ainda não pude ler).
O Ruído do Tempo, o último livro do autor, despertou, desde que tomei conhecimento da sua existência, a minha curiosidade. Li umas quantas palavras convidativas na imprensa e na Internet (mas que podem tais palavras significar, quando quase sempre estão presas à mera promoção?), folheei o volume numa livraria e, depois da boa impressão com que fiquei, decidi-me finalmente a lê-lo. O tema do livro ajudou bastante: Barnes dedica este livro a Dmitri Shostakovich (ou Chostakovich), compositor russo que está ligado ao meu percurso como apreciador de música.
Evidentemente que, ao entrar na biografia de um autor que procurou ser omisso ou esquivo nos seus pensamentos (e daí haver tanta celeuma em torno deles; discute-se, por exemplo, a questão do seu - sincero?, coagido? - alinhamento com o regime), Barnes opta por "uma certa" interpretação (nem de outro modo poderia ser); porém, o que encontrei nesta obra coincide, grosso modo, com o que conheço do percurso de compositor russo - o que, evidentemente, me fez gostar ainda mais dela.
«Só sabia que este era o pior tempo de todos.» Desta forma abre Barnes os três capítulos que compõem O Ruído do Tempo. O livro parte do modo como a sua ópera "Lady Macbeth de Mtsensk" pôs, em virtude de um artigo arrasador no Pravda denominado "Chinfrim em vez de música" (possivelmente saído do punho de Estaline), a carreira e a vida de Shostakovich em risco - passou de compositor amado e reputado a inimigo do povo. A segunda parte retrata a ida (a mando de Estaline, que lhe telefonou pessoalmente) do compositor aos Estados Unidos da América, em 1949, em representação da URSS num congresso em prol da paz; aí, de forma humilhante, teve que ler um discurso preparado pelo Poder e condenar publicamente a música de Stravinski, compositor que muito admirava, como "formalista" (o pior vício que a arte podia revelar na União Soviética estalinista). Por fim, a última parte mostra-nos um Shostakovich, já no período de Krushchev, humilhado com a sua coagida adesão ao partido. De um modo geral, Barnes subscreve - a meu ver de uma forma muito plausível - a tese que defende que as "conivências" de Shostakovich com o Poder foram uma mera questão de sobrevivência, em especialmente nos tempos de "canibalismo" homicida de Estaline. O medo foi permanente na vida do compositor, contribuindo assim para o tom tenso, ansioso da sua música.
Os episódios revisitados pelo escritor inglês são relativamente conhecidos por todos os que amam a obra do compositor russo; porém, é na maneira de os contar que reside o brilho (talvez este passe a brilhar igualmente na minha "mitobibliografia") de O Ruído do Tempo. A escrita de Barnes é belíssima, a opção pela sucessão de "fragmentos" dá graça ao enredo.
Fecho dizendo que, mal acabei o livro, fiquei com vontade de o reler a breve trecho - talvez ainda este ano, quem sabe.
«Só sabia que este era o pior tempo de todos.» Desta forma abre Barnes os três capítulos que compõem O Ruído do Tempo. O livro parte do modo como a sua ópera "Lady Macbeth de Mtsensk" pôs, em virtude de um artigo arrasador no Pravda denominado "Chinfrim em vez de música" (possivelmente saído do punho de Estaline), a carreira e a vida de Shostakovich em risco - passou de compositor amado e reputado a inimigo do povo. A segunda parte retrata a ida (a mando de Estaline, que lhe telefonou pessoalmente) do compositor aos Estados Unidos da América, em 1949, em representação da URSS num congresso em prol da paz; aí, de forma humilhante, teve que ler um discurso preparado pelo Poder e condenar publicamente a música de Stravinski, compositor que muito admirava, como "formalista" (o pior vício que a arte podia revelar na União Soviética estalinista). Por fim, a última parte mostra-nos um Shostakovich, já no período de Krushchev, humilhado com a sua coagida adesão ao partido. De um modo geral, Barnes subscreve - a meu ver de uma forma muito plausível - a tese que defende que as "conivências" de Shostakovich com o Poder foram uma mera questão de sobrevivência, em especialmente nos tempos de "canibalismo" homicida de Estaline. O medo foi permanente na vida do compositor, contribuindo assim para o tom tenso, ansioso da sua música.
Os episódios revisitados pelo escritor inglês são relativamente conhecidos por todos os que amam a obra do compositor russo; porém, é na maneira de os contar que reside o brilho (talvez este passe a brilhar igualmente na minha "mitobibliografia") de O Ruído do Tempo. A escrita de Barnes é belíssima, a opção pela sucessão de "fragmentos" dá graça ao enredo.
Fecho dizendo que, mal acabei o livro, fiquei com vontade de o reler a breve trecho - talvez ainda este ano, quem sabe.
tente ler "levels of life", creio ser o livro anterior a este. genial.
ResponderEliminar"Os Níveis da Vida", em português. Obrigado pela sugestão - já a apontei para futura descoberta (vamos ver se consigo ter acesso ao livro). Abraço e obrigado
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