domingo, 27 de novembro de 2016

"O Banquete", de Platão

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Ler Platão é um prazer antigo. Neste caso, como noutros em que me lanço em obras de filosofia, um prazer exclusivamente literário. É desnecessário divagar sobre o papel de Platão (e do seu mestre Sócrates) na história do pensamento ocidental, ou sequer mencionar as ideias chave da sua filosofia; sublinho somente o interesse da sua obra em termos literários, aspeto que me convoca a revisitá-la.
O Banquete (também conhecido por Simpósio) trata do amor: Agatão, havendo a sua tragédia conhecido o sucesso no dia anterior, convidara várias personagens para um banquete; mas, prescindindo dos excessos da bebida, os presentes acordam despender aquele momento a discutir a temática do amor. Assim, discursam, além do anfitrião, Fedro (faz elogio a Eros), Pausânias (toca o tema do amor por rapazes, da cedência a amante honrado), o médico Erixímano (perspetiva o amor físico e a saúde do corpo), Aristófanes (aborda a homossexualidade), e Sócrates (conduz o colóquio para o amor pela Ideias, pela Beleza - este seria o amor mais elevado). O banquete termina com a entrada de Alcibíades, bêbado, que faz o elogio de Sócrates: entre outros aspetos, confessa a sua paixão pelo filósofo (que resistiu aos seus avanços sexuais) e elogia a sua valentia em combate.
Para o conhecimento de Sócrates, os diálogos de Platão funcionam, de certo modo, como a sua alegoria da caverna (os homens, agrilhoados, tinham apenas um conhecimento imperfeito das Ideias através das suas sombras projetadas numa parede): apenas temos uma sombra do Sócrates histórico, que não nos legou qualquer escrito, mas é uma sombra bastante valiosa. O Sócrates platónico é bastante carismático, não apenas pelo seu poder persuasivo, mas também por alguns tiques de carácter; neste diálogo acho extremamente curioso o facto de, mal chegado a casa de Agatão, Sócrates ter ficado uns momentos sozinho no vestíbulo a refletir...
O livro tem ainda, a meu ver, outro encanto - aliás, bastante óbvio: a presença de vários elementos culturais da Grécia antiga (como a presença de serviçais escravos e de músicos no banquete, a prática de libações e de hinos aos deuses, etc.), inclusivamente de caráter mitológico-literário (cita-se o amor de Aquiles por Pátroclo, e a sua vingança irada contra Heitor, e o amor despojado de Alceste, que recentemente foi tratado por Gonçalo M. Tavares).

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

"Billy Budd", de Herman Melville

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Melville é uma personalidade literária me fascina. Dele apenas tive a oportunidade de ler três livros: a sua obra maior, Moby Dick, e duas novelas: Bartleby, o Escrivão e este Billy Budd, que agora reli. Acredito que são três obras-primas da Literatura.
O que posso escrever sobre estar obra? Mais do que sintetizar a narrativa, aliás bem simples, reiterar a minha admiração. A maldade, a mesquinhez, a inveja são as linhas de força desta história algo trágica, que reflete sobre a moral e a justiça: um episódio perfeitamente inocente e trivial despoleta a maldade de um dos personagens, que se abate sobre o confiado, alegre e ingénuo Billy Budd.
Essencialmente, para mim a beleza do livro está na escrita - elegante, culta, sem frivolidades. As personagens são bem modeladas e caracterizadas; o discurso do comandante do navio, no conselho de guerra, é absolutamente fabuloso.
Seguramente um livro a que retornarei mais vezes.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

"Um dia na vida de Ivan Denisovich", de Alexandre Soljenitsin

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Instigado pela leitura de O Ruído do Tempo, de Julian Barnes, decidi trazer este pequeno livro para casa. Publicado originalmente em 1962, numa altura de desestalinização na União Soviética de KrushchevUm dia na vida de Ivan Denisovich é um livro-chave na história da literatura soviética, por constituir uma denúncia ao sistema concentracionário estalinista; autorizado diretamente pela cúpula do poder, este livro mostrou uma realidade anteriormente escondida, abafada pelo poder, que Soljenitsin vivenciou.
O título acaba por sintetizar o enredo: esta obra de Soljenitsin (a primeira que li do autor, aliás) aborda a questão da sobrevivência individual durante um dia num campo de trabalho, ambiente propositadamente opressivo e duro (marcado pela precariedade alimentar, pelas temperaturas negativas, pelos trabalhos pesados, pela rigidez regimental e disciplinar), em que a vida humana tinha pouco valor: «Ninguém se importaria que um zek [prisioneiro] morresse enregelado. Mas... se ele se evadisse?»
Pela proximidade das leituras, acabei por encontrar pontos em comum com o livro de Barnes: se o Shostakovich ficcional (e presumivelmente o real) lia discursos escritos pelo poder em seu nome (que iam contra as suas convições), na obra de Soljenitsin o personagem central, Ivan Denisivich, esteva preso por assinar uma confissão forjada - assumiu estar a fazer espionagem para os nazis, quando na verdade se evadira de um campo nazi... Era isso ou ser morto.
Literariamente não achei esta esta obra particularmente cativante; o enredo, contudo, é motivo bastante para o ler. Senti-me, assim, convidado a conhecer outras obras do autor, nomeadamente Arquipélago Gulag (dentro da mesma temática) e O Pavilhão dos Cancerosos.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

"Maigret & O Cão Amarelo", de Georges Simenon

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Quarto livro lido da série Maigret. tal como o anteriormente lido (Maigret & A Noite da Encruzilhada), este Maigret & O Cão Amarelo agradou-me bastante. A pouco a pouco, o comissário vai ganhando contornos carismáticos na minha imaginação.
O estilo deste O Cão Amarelo é semelhante aos livros de Simenon já percorridos: escrita direta, parágrafos curtos, muitos diálogos, predomínio da ação. Em suma, uma centena de páginas que se lê rápida e prazerosamente.
Após a tentativa de assassinato a um negociante de vinhos, o comissário dirige-se à pequena povoação de Concarneau. Para exaspero do maire local, vários acontecimentos trágicos vão suceder-se, estando sempre nas proximidades um desconhecido cão amarelo, e o medo instala-se entre a população. Entretanto, Maigret instala-se e, mais do que investigar, observa calma e curiosamente, começando pelo grupo de amigos que se reúne no café do Hotel de l'Amiral - o jornalista Servières, o médico Michoux e o dissoluto Le Pommeret. Desta vez, Simenon fecha a história de um modo que me fez lembrar os Poirot ou os Perry Mason: os personagens são reunidos e o culpado é exposto perante todos.
Termino com uma curiosidade: estando a ler os Maigret por ordem cronológica (a publicação original do presente livro remonta a 1931), é normal encontrar indícios do passado, aspetos perfeitamente datados - desta vez, encontrei o termo (para mim desconhecido) "belinógrafo"; após uma curta pesquisa, fiquei a saber tratar-se de uma tecnologia inventada pelo engenheiro francês Edouard Belin (1876-1963) que servia para transmitir à distância desenhos ou fotografias (uma espécie, portanto, de antepassado do fax).

domingo, 13 de novembro de 2016

"A cabeça perdida de Damasceno Monteiro", de Antonio Tabucchi

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Porque regressei a este livro, que recordava não ser um dos mais interessantes do autor? Em boa verdade, porque o vejo todos os dias, lado a lado com outros volumes de bolso. Tabucchi tem uns quantos livros interessantes: ainda que os tenha lido há longo tempo, e apenas uma única vez, guardo boa impressão de Noturno Indiano ou Afirma Pereira; além disso, e graças à adaptação cinematográfica de Alain Tanner, trago comigo a vontade de um dia ler o seu Requiem).
Não sei se se poderá chamar a este A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro um romance policial, até porque não seguimos uma investigação policial ou detetivesca, mas somente jornalística. A história constrói-se em torno de Firmino, um jornalista de um pasquim sensacionalista (especializado em crimes de sangue, escândalos, etc., sobretudo dirigido para as massas e, consequentemente, para o que vende), enviado ao Porto para aprofundar a historia de Damasceno Monteiro, cujo cadáver havia sido encontrado sem cabeça num baldio. A investigação, há que dizê-lo, não é propriamente empolgante; Firmino vai conduzido a sua investigação através dos dados que lhe vão chegando de várias fontes, e alimentando o seu jornal com notícias ricas em juízos de valor e ideias feitas, bem ao gosto do público-alvo.
Se o personagem principal, Firmino, não é propriamente fascinante (ainda que seja curiosa a sua ambivalência intelectual: apesar de estar a empreender um estudo académico sobre o romance neorrealista português nos anos 50, assume a ficção científica como o seu género literário favorito), o advogado "Lóton" é um pouco mais cativante. De raízes aristocráticas, este advogado é literariamente culto (citando vários autores) e revela interesses muito peculiares; além disso, debruça-se especialmente sobre os casos dos mais desprotegidos e desfavorecidos na sociedade.
Seguramente que este não é um livro essencial, inclusivamente dentro do conjunto da obra do seu autor; ainda assim, é agradável de ler, bem escrito e com algum humor.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

"Off-side", de Gonzalo Torrente Ballester

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Já mais de uma vez tive a oportunidade de afirmar nestes meus textos que aprecio bastante este autor; é sempre com prazer que regresso à sua escrita. Mas se os três livros anteriormente aqui referenciados (D. JuanO Romance de Pepe Ansúrez e Crónica do Rei Pasmado) haviam sido objeto de releitura, este Off-side foi lido pela primeira vez. Andava há anos para o trazer de uma biblioteca familiar, mas foram-se sempre impondo outras leituras - o que não é necessariamente mau, porque, afinal, é positivo quando ainda me "sobram" alguns livros não lidos de um autor que me agrada, e que podem, de um momento para o outro, constituir descobertas e prazeres futuros.
Pois este Off-side, não sendo uma das obras mais interessantes que li do autor, é um belíssimo livro, conjugando um enredo construído de muitas linhas cruzadas (muitos personagens de vários estratos sociais que se interligam) com um certo olhar crítico à sociedade madrilena de meados do século vinte. Nele se cruzam falsários talentosos, prostitutas letradas, revolucionários acossados, escritores arruinados, intelectuais independentes e até um diretor bancário caprichoso de fama como literato da Academia (ainda que tenha um negro a escrever-lhe as obras) e de prestígio como embaixador...

sábado, 5 de novembro de 2016

"Clepsidra", de Camilo Pessanha

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Mais um regresso. Desta vez, parti à redescoberta da poesia de Camilo Pessanha, que tanto me impressionara na juventude. Reencontrei aquela linguagem vaga, difusa, alusiva mas que simultaneamente (e surpreendentemente) consegue ser precisa; linguagem ritmicamente impressiva, manifestamente musical, frequentemente intensa.
A releitura confirmou - ou mesmo suplantou - as impressões dos meus vinte anos: a obra de Pessanha é, de facto, tremendamente original e do mais interessante dentro do universo da poesia portuguesa da primeira metade do século vinte (século, aliás, tão rico em belíssimos poetas).