sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"Marc Bloch. Uma Vida na História", de Carole Fink

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Ao amigo Filipe
 
Esta biografia foi-me recomendada há quase vinte anos por um figurão do mundo académico numa conversa de corredor, a seguir à aula a que assistiam apenas dez alunos; após essa conversa, tropecei duas ou três vezes no livro em feiras do livro barato, mas, após folheá-lo, nunca senti suficiente interesse para comprá-lo. Talvez a capa, demasiado inexpressiva, também tivesse contribuído para a rejeição... Certo é que o descartei, como tantos e tantos livros que me foram sugeridos (ou que nalgum momento me interessaram) ao longo dos anos...
Ora, há umas semanas atrás, estando a ver um documentário em que se fazia referência à intervenção de intelectuais (sobretudo escritores e artistas plásticos) na Resistência Francesa contra a dominação nazi, lembrei-me que Marc Bloch havia sido um intelectual (neste caso um académico judeu) que morrera por ter preferido lutar como elemento da Resistência. Daí a verificar se a sua biografia, da autoria de Carole Fink, existia na biblioteca local foi apenas um momento. E, é caso para dizer, ainda bem que uma coisa levou à outra, e eu me predispus a levantar o livro, a trazê-lo para casa e a iniciar empenhadamente a leitura!
Porque Marc Bloch. Uma Vida na História é uma biografia que, a muitos títulos, vale a pena ler. O biografado é uma figura de interesse: um intelectual brilhante (enquanto historiador procurou inovar metodologicamente e acentuar a necessidade de espírito crítico, mostrando um interesse precoce pela história das mentalidades) mas também um resistente em tempos de luta pela liberdade do jugo nazi. Por outro lado, o discurso biográfico é claro, acessível e muito bem estruturado; segue uma ordem cronológica (é, assim, algo conservador), cruzando o percurso do biografado com vários níveis (mais gerais ou mais particulares) de contextualização.
A biografia de Carole Fink perpassa pelos momentos mais importantes da vida de Bloch: o seu percurso formativo como jovem historiador (filho de um historiador do período clássico, Bloch seguir-lhe-á as pisadas e, enquanto termina o seu doutoramento, já finda a guerra, ensina na refundada Universidade de Estrasburgo); o seu papel como militar na Primeira Guerra Mundial (destacou-se como oficial, chegando ao posto de capitão); as suas conquistas académicas (as suas principais obras - Os Reis Taumaturgos, A Sociedade Feudal ou Introdução à História -, são objetos de particular atenção, chamando-se atenção para as suas virtudes sem omitir as suas limitações ou mesmo fragilidades); o seu papel de cofundador dos Annales, em 1929, conjuntamente com Lucien Febvre (revista de bastante relevo no âmbito da historiografia, pelo que pretendeu inovar - saindo da história tradicional, quer era sobretudo política, procurando novas perspetivas multidisciplinares, apostando em temas contemporâneos, etc.), a sua participação na Segunda Guerra Mundial (desta vez como derrotado, tendo assistido à derrocada do exército francês e estado presente no célebre episódio da evacuação de Dunquerque), a sua passagem pela República de Vichy (território francês não ocupado pelos nazis durante a guerra, governado autoritária e cooperativamente com os alemães) e reação à política antissemita aí praticada (chegou a procurar refúgio para si e para a sua família nos Estados Unidos, mas tal nunca se concretizou; dado o seu prestígio, e apesar da segregação dos judeus, conseguiu manter-se no ensino superior até não haver mais condições); e, por fim, a sua adesão e participação na Resistência (desempenhou um cargo dirigente em Lyon, onde viveu na clandestinidade, acabando por ser capturado pela Gestapo, torturado e morto em 1944, dez dias depois do desembarque aliado na Normandia).
Por tudo o que escrevi, posso dizer que este livro foi um agradável surpresa; muito me congratulo por ter resgatado este livro, que li relativamente em pouco tempo. Ainda que tenha a noção que Introdução à História é uma obra algo divagante, talvez porque elaborada em grande medida de memória (Bloch erigiu-a sem recurso à sua biblioteca, que havia sido confiscada pelos nazis), fiquei um pouco tentado a regressar a ela. Logo se verá.

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