domingo, 21 de agosto de 2016

"Ar de Dylan", de Enrique Vila-Matas

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Enrique Vila-Matas ainda me pôde desiludir; não rejeito a possibilidade de ler qualquer coisa deste autor que me não agrade - como poderia rejeitá-la? Mas, até ao momento, Vila-Matas ainda não me defraudou, e isso faz com que seja um dos escritores que sigo com maior interesse e curiosidade.
Ar de Dylan desenvolve-se, como é deliciosamente recorrente em Vila-Matas, em torno de escritores (*) e intelectuais excêntricos, refletindo assim sobre a literatura e a arte. O narrador, escritor que decidira deixar de escrever, é convidado para um congresso sobre o fracasso na Suíça; aí conhece Vílnius Lancastre, cineasta fracassado (realizara uma curta metragem e propunha-se filmar toda a "história do fracasso geral do mundo") e filho do recentemente falecido escritor Juan Lancastre, com quem havia tido uma relação difícil (agora, depois do óbito, o filho via-se invadido por memórias paternas...). O narrador deixa-se fascinar pelo trágico relato do jovem com "ar de Dylan" e pela sua apetência por fracassar... e acaba por aceitar escrever uma autobiografia apócrifa de Juan Lancastre, como forma de um rebuscado ajuste de contas.
Nesta obra aparecem alguns dos temas recorrentes do autor. Por exemplo, na conversa entre Vílnius e Cláudio Aristides Maxwell, entendido em cinema americano clássico, retoma-se a discussão entre literatura convencional e literatura experimental ou de vanguarda (tão presente em Chet Baker pensa na sua arte); Vila-Matas evoca também aquilo que Max chama de literatura "híbrida", aquela que mistura romance com ensaio, artifício com realidade, criticando-lhe o intelectualismo... É por isto (por este jogos cheios de ironia) que aprecio este autor.
As referências literárias (não posso deixar de as arrolar) são mais que muitas: Joyce (sempre presente nos últimos livros que li de Vila-Matas, e que serve, enquanto autor de Ulisses, como paradigma da experimentação literária), Shakespeare (via Hamlet), Scott Fitzgerald, Nabokov, Proust, Knut Hansum (faz-se alusão a Fome, livro que tenho em casa na pilha dos livros a ler a breve-médio prazo), Joseph Roth (fiquei sugestionado a ler em breve O Leviatã), Laurence Sterne, John Banville (autor que ando para descobrir há já algum tempo), Graham Greene, Kafka, entre outros. Há também várias referências ao Oblomov, de Ivan Goncharov (que acrescentei também à minha lista de interesses literários), cuja atitude do personagem principal inspira a atitude do personagem Vílnius de Vila-Matas, voluntariamente apático e sem aspirações. (Pelo que expus sempre se comprova que os livros deste escritor catalão me levam a outros autores e obras, animando a minha curiosidade - que mais poderia querer?).

(*) Tantos são os escritores que colocam no centro dos seus romances, como protagonista e/ou narrador, outros escritores! Constato, porém, que poucos constroem alguma coisa com originalidade, graça, inteligência... Há nestes meus  medíocres textos alguns que se referem a tentativas pouco conseguidas (eventualmente também medíocres) de romancearem a realidade do escritor (escuso-me de apontar).

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