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Eis um livro que me fugiu durante uns anos: O Pequeno Livro do Grande Terramoto, de Rui Tavares, originalmente editado no ano em que se assinalaram os 250 anos sobre o terramoto de Lisboa de 1755. Por sorte, encontrei-o recentemente na biblioteca municipal e assim, apesar do "atraso" (se é certo que em História muitas vezes os interesses editoriais colam-se, compreensivelmente, às efemérides, tal não significa que os nossos interesses pessoais devam andar ao sabor destes ventos e destas modas), surgindo desta forma a possibilidade de lê-lo.
Se o assunto é sobejamente conhecido, e na referida efeméride foram múltiplos os estudos, documentários, reportagens, notícias sobre a catástrofe setecentista, já a forma escolhida por Rui Tavares pareceu-me bastante original. Antes de mais, o autor assume o caráter de divulgação da sua obra (assim se entende - não exatamente pela extensão, pelo número de páginas ou de referências bibliográficas - a expressão "pequeno livro" constante no título) - um trabalho, a meu ver, muito feliz, na medida em que destaca os pontos mais importantes (os acontecimentos daquele dia 1 de Novembro, a reconstrução, o papel do Marquês de Pombal, o impacto do acontecido, etc.) com o exigível rigor e alguma acuidade analítica. A escrita do autor é, por outro lado, um ponto forte a favor da obra, uma vez que conjuga inteligentemente descrição, análise e suposição (pense-se no interessante exercício de história contra factual contante num dos primeiros capítulos: como seria Lisboa se o terramoto não tivesse destruído a zona baixa da cidade), e é enriquecida por toques de humor e alguns efeitos literários.
A obra inicia-se com uma reflexão sobre o impacto mental e cultural de certos "dias mercantes" (aqueles dias que pela sua singularidade mudam as nossas vidas, que têm um antes e um depois, que constituem um trauma), fazendo o paralelismo do dia do terramoto com o 11 de Setembro. Isto porque o terramoto de Lisboa gerou vários debates (sobre o papel de Deus e/ou da Natureza nas catástrofes), refletidos em obras de grandes autores (os iluministas Voltaire - que aproveita o acontecimento nefasto para atacar a filosofia de Leibnitz -, Kant ou Rosseau debruçaram-se sobre o terramoto), difundidos em gazetas, correspondência, relatos, sermões, poemas, folhetins, e representada em gravuras. É precisamente neste impacto mental e cultural, com que se encerra o livro, que a meu ver assenta o seu maior mérito.
O livro de Rui Tavares, mais do que um livro de História, é um exemplo positivo de ensaio histórico - está lá a História, mas esta é tratada e apresentada de forma mais livre e pessoal, o que, no presente caso, acaba por resultar bastante bem.
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