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«Recolhida toda a informação, cheguei ao momento da escrita com a certeza angustiada de que me falta saber muito sobre ele - que «toda a informação» não existia, e que nunca poderia reconstituir-lhe a vida, mas tão-só reconstruí-la, muito a partir de mim e da minha relação pessoal com o morto. Seria ingénuo pensar que uma biografia pode ser uma narrativa objectiva dos factos. Mas o problema ultrapassa o mero binómio objectividade / subjectividade. A verdade da vida do biografado é múltipla e contraditória. Se não assumir o seu lado quase ficcional, a tarefa do biógrafo arrisca-se a tornar-se um trabalho melancólico, cheio de tribulações e nunca acabado. É claro que ele não pode inventar factos, nem omiti-los. Mas possui a enorme liberdade de lhes dar forma. E a forma, todos o sabemos, é de tal maneira importante que faz com que, numa biografia, duas histórias se entrelacem: a do biografado, e a relação do biógrafo com o biografado.» (in Alexandre O'Neill. Uma biografia literária)Há uns anos atrás, num contexto bem diferente do atual, escrevi um pequeno e entusiasmado artigo sobre este livro para uma publicação de público restrito. De um modo geral, o que hoje penso deste livro - pesem embora algumas variações - não é muito diferente da minha primeira opinião.
Para um leitor habitual de biografias históricas (isto é, que obedecem a uma metodologia própria da historiografia, assente numa rigorosa seleção e crítica de fontes), esta "biografia literária" dedicada ao poeta Alexandre O'Neill, de Maria Antónia Oliveira, poderia, à partida, conter vários pontos menos positivos; porém, tratando-se da biografia de um literato, e considerando-se que a autora não esconde as limitações do seu próprio trabalho, das suas próprias interpretações e conclusões, não me repugnam as liberdades literárias (quase romanescas, mas sem cair em exageros) que toma. Antes pelo contrário, devo dizer: o discurso da autora - livre (o'neilliano - permita-se-me utilizar este termo sem entrar em definições), com toques de humor, reflexões metabiográficos, confissões e deambulações pessoais - parece-me adequado (ainda que eu não aceitasse tão benevolentemente algumas das opções tomadas numa biografia de cariz historiográfico - considere-se, por exemplo, o que escrevi acerca de A Vida Perdida de Eva Braun, de Angela Lambert), tornando a leitura agradável e escorreita.
Na introdução a autora diz que a sua biografia é feita de samplers, querendo com isto significar que se vão sucedendo ao longo do texto as intervenções (resultantes de entrevistas) de um largo conjunto de pessoas que conviveram com o biografado. Tal mais correto fosse dizer que esta biografia tem bastantes semelhanças com os documentários televisivos, nos quais se vão sucedendo (numa determinada sequência e ordenação lógica) os testemunhos dos entrevistados. Assim sendo, alguns dos aspetos recolhidos nesta biografia, porque somente suportados na visão dos entrevistados, andam no domínio da opinião - a ideia que certos indivíduos fazem de um ou mais aspetos da vida do biografado.
Feitas estas apreciações gerais, não me debruçarei nos aspetos biográficos da biografia; em alternativa, lanço o convite à leitura a quem se cruze por acidente com estas palavras. Alexandre O'Neill, além de um poeta que aprecio (ando a equacionar voltar à sua obra poética), é uma personalidade com bastante interesse.
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