segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

"Ficções", de Jorge Luis Borges

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Este é um daqueles livros a que, de quando em quando, tenho de regressar. Não sei dizer exatamente quantas vezes já li as dezassete histórias que compõem este Ficções, de Jorge Luis Borges. Desde que descobri esta curta obra, lia-a pelo menos a cada dois ou três anos. Serve isto para dizer, de antemão, o quanto gosto deste livro.
Borges é - sabe-o bem quem se interessa por literatura - uma referência literária incontornável; a sua originalidade é a vários títulos assombrosa. Nestas pequenas histórias, Borges consegue envolver o leitor (que se deixe, claro está, envolver, iludir, manipular) através da sua linguagem cuidada e elevada, quase académica ou erudita (com real erudição mas também, simultânea e propositadamente, com erudição fictícia); mas também o prende pelo conteúdo ficcional - Borges é um mestre na criação de universos irreais ou fantásticos, estruturados numa lógica por vezes quase matemática (pense-se na história "A Biblioteca de Babel"), teórica ou teoricizante (perdoe-se o neologismo), de enredos algo obscuros com elementos mágico ou esotéricos, ou mesmo metafísicos. Não é difícil reconhecer na prosa deste autor argentino a sua imensa cultura.
As histórias que mais me agradam pertencem à primeira parte deste Ficções, denominada "O Jardim de Caminhos que se Bifurcam" (originalmente publicada em 1941). Em "Pierre Menard, autor de Quixote", Borges apresenta-nos uma espécie de apreciação literária sobre o estranho e quimérico esforço de um autor francês do século XX: este lançara-se na tentativa de escrever o D. Quixote, de forma a que o seu escrito coincidisse com o de Miguel de Cervantes, palavra por palavra e linha por linha e com o espanhol típico do século XVII, sem que, no entanto, se limitasse a ser uma mera cópia ou transcrição... "A Lotaria da Babilónia" é uma metáfora sobre o acaso, o fortuito nas nossas vidas: aquilo que começou por ser um jogo de sorte e azar (apenas para os que nele jogavam) organizado pela toda poderosa Companhia, jogo em que para um certo número de prémios existia também a possibilidade de um castigo, gradualmente tornou-se numa interferência universal e secreta do acaso nos destinos dos indivíduos (e não será isto que acontece nas nossas vidas?); uma história, como facilmente se entende, com contornos de reflexão existencial. Excelente para mim é ainda "Análise da obras de Herbert Quain"; Borges serve-se de novo do artifício da crítica literária (de obras inexistentes, de um autor inexistente) para tecer várias teorizações curiosas sobre o processo de criação ficcional, em que se misturam a falsificação, o erro propositado, a múltipla existência de alternativas a factos do enredo, etc. Por fim, não posso deixar de apontar "A Biblioteca de Babel" como uma das minhas histórias favoritas: é feita a descrição de uma biblioteca praticamente infinita, visto que nos seus livros existem todas as variações possíveis de carateres; assim, nesta biblioteca estão presentes todos os livros possíveis, todas as explicações e suas refutações, mas também uma infinidade de livros não compreensíveis (meras conjugações aleatórias de carateres ou escritos em línguas já esquecidas?) - uma metáfora, afinal, para o papel de decifrador do leitor...
Tenciono em breve ler (pela primeira vez) O Aleph, outra coletânea de história curtas de Jorge Luis Borges...

4 comentários:

  1. também não sei quantas vezes o li. e a primeira vez foi "ficciones", uma edição em castelhano. relembro a magia e musicalidade de "el jardín de senderos que se bifurcan". e depois de "o aleph", se não conhece, não perca a poesia. o borges poeta é surpreendente :)

    ResponderEliminar
  2. Caro José Luís, de facto conheço mal a poesia do Borges (já li pelo menos um livro de poesia do mesmo, mas há muitos ano), mas tenho a intenção de, a médio prazo, explorar melhor... Tenho "O Aleph" neste momento em mãos - felizmente existia na biblioteca da minha cidade... Daqui a uns dias conto ter mais esse magnífico livro lido, e publicarei aqui a minha opinião. Obrigado, já agora, pelo seu comentário.

    ResponderEliminar
  3. então deixo um link para o meu mural (com alguns poemas seus):

    http://novascartasdemarear.blogspot.pt/search/label/jorge%20luis%20borges

    ResponderEliminar

Obrigado pelo seu contributo. O seu comentário será publicado em breve.