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Lido em dois dias, este Sem Coração, de Miguel Miranda, é, de certo modo, uma homenagem ao Porto disfarçada de romance policial. O roubo do coração de D. Pedro IV (que, como é sabido, repousa na Igreja da Lapa), e a ocorrência de duas enigmáticas mortes são pretexto para um investigação de Mário França, detetive que se considera o "melhor do mundo" (por oposição ao algo inepto inspetor Constantino Consciência).
Em primeiro plano, o leitor é confrontado com o Porto: o autor não apenas situa a ação do seu romance em vários locais paradigmáticos da cidade (além da já referida Igreja da Lapa, Miguel Miranda refere a zona da Ribeira e nomeadamente o icónico Muro dos Bacalhoeiros e a Praça do Cubo, a Ponte D. Luís, a Torre dos Clérigos, a Serra do Pilar, a Cadeia da Relação, a Livraria Lello, além de cafés, hotéis e outros lugares), como remete para a sua história (neste caso o Cerco do Porto de 1832-33 e a doação feita por D. Pedro IV do seu coração à cidade - história que inteligente e curiosamente o autor coloca na boca dos estudiosos da cidade, aqui transformados em personagens: Germano Silva, Hélder Pacheco e Joel Cleto). Em fundo, vão aparecendo algumas referências culturais muito diversificadas: Sherlock Holmes (um dos modelos, seguramente, de Mário França - pela promessa último personagem de grandes dotes de raciocinador... ainda que talvez não totalmente confirmados nesta história em particular), Lucky Luke, Dostoievski, Tolstoi, Jim Morrison, etc.
Mário França, como já acima se disse, revela uma elevada confiança nos seus dotes investigativos (roçando, para fins humorísticos, algum exagero), na sua capacidade de lidar (manipular, conduzir) os outros, nos seus dotes de sedutor irresistível com as mulheres... Talvez incongruente com o tamanho do seu ego é o facto de não ser propriamente muito bem sucedido (tendo, por exemplo, rendas em atraso). Nas suas investigações é auxiliados por uma trupe de aleijados e desajustados: um tasqueiro (Quim Comandos), um ourives (Dedos), um cauteleiro (Cotos), um pirata informático (Kit Cobras), um artista do Cirque do Soleil (Bilinho Muletas), um trolha (Tony, the Painter) e um contorcionista/carteirista (Elastic Man).
Pelos nomes dos "olhos e ouvidos" (isto é, dos elementos da equipa) de Mário França é possível ver uma das características que perpassa por todo o romance: o kitsch. Associado a esta tonalidade estética, como não podia deixar de ser, temos o humor: Miguel Miranda vai pautando a sua narrativa de vários elementos humorísticos, seja pelo exagero, pelo patético ou ridículo, etc. De um modo geral, julgo que Sem Coração é um livro divertido, ligeiro, sem grandes pretensões de estrita verosimilhança. A escrita de Miguel Miranda é escorreita e descontraída, ainda que talvez em certos pontos pudesse ser um pouco mais trabalhada - penso que há, em certas passagem (ao nível da escrita mas o mesmo se passa ao nível da história em si), qualquer coisa de apressado ou desleixado que não parece resultar da melhor forma (pelo menos para este leitor).
A narrativa policial é, de certo modo, de um tipo clássico - isto é, o investigador vai avançando no seu conhecimento do caso sem mostrar o seu jogo ao leitor; no fim, qual história de Poirot (podia dar outros exemplos), o detetive desvenda os mistérios perante uma plateia, apontando os culpados. A meu ver, o desfecho é um dos pontos mais frágeis do romance: a meu ver, não há verdadeiramente uma cadeia explicativa, nem grande complexidade (ainda que o autor jogue com as relações, cumplicidades e inimizades, dos vários personagens), mas antes um fecho simples e um pouco frouxo.
Mas longe de mim dizer que não me agradou ler este livro. A verdade é que, não sendo um livro fabuloso ou obrigatório, me propiciou umas horas agradáveis e descontraídas de leitura. Se o livro tem pontos menos conseguidos tanto a nível da escrita como a nível da história (que os tem, na minha modesta opinião), não fiquei completamente defraudado com Miguel Miranda. Em muitos pontos apreciei o seu humor (não somente os toques de kitsch, mas sobretudo o uso da ironia), os seus piscares de olho ao Porto, e alguns dos seus apartes de tipo aforístico.
Em primeiro plano, o leitor é confrontado com o Porto: o autor não apenas situa a ação do seu romance em vários locais paradigmáticos da cidade (além da já referida Igreja da Lapa, Miguel Miranda refere a zona da Ribeira e nomeadamente o icónico Muro dos Bacalhoeiros e a Praça do Cubo, a Ponte D. Luís, a Torre dos Clérigos, a Serra do Pilar, a Cadeia da Relação, a Livraria Lello, além de cafés, hotéis e outros lugares), como remete para a sua história (neste caso o Cerco do Porto de 1832-33 e a doação feita por D. Pedro IV do seu coração à cidade - história que inteligente e curiosamente o autor coloca na boca dos estudiosos da cidade, aqui transformados em personagens: Germano Silva, Hélder Pacheco e Joel Cleto). Em fundo, vão aparecendo algumas referências culturais muito diversificadas: Sherlock Holmes (um dos modelos, seguramente, de Mário França - pela promessa último personagem de grandes dotes de raciocinador... ainda que talvez não totalmente confirmados nesta história em particular), Lucky Luke, Dostoievski, Tolstoi, Jim Morrison, etc.
Mário França, como já acima se disse, revela uma elevada confiança nos seus dotes investigativos (roçando, para fins humorísticos, algum exagero), na sua capacidade de lidar (manipular, conduzir) os outros, nos seus dotes de sedutor irresistível com as mulheres... Talvez incongruente com o tamanho do seu ego é o facto de não ser propriamente muito bem sucedido (tendo, por exemplo, rendas em atraso). Nas suas investigações é auxiliados por uma trupe de aleijados e desajustados: um tasqueiro (Quim Comandos), um ourives (Dedos), um cauteleiro (Cotos), um pirata informático (Kit Cobras), um artista do Cirque do Soleil (Bilinho Muletas), um trolha (Tony, the Painter) e um contorcionista/carteirista (Elastic Man).
Pelos nomes dos "olhos e ouvidos" (isto é, dos elementos da equipa) de Mário França é possível ver uma das características que perpassa por todo o romance: o kitsch. Associado a esta tonalidade estética, como não podia deixar de ser, temos o humor: Miguel Miranda vai pautando a sua narrativa de vários elementos humorísticos, seja pelo exagero, pelo patético ou ridículo, etc. De um modo geral, julgo que Sem Coração é um livro divertido, ligeiro, sem grandes pretensões de estrita verosimilhança. A escrita de Miguel Miranda é escorreita e descontraída, ainda que talvez em certos pontos pudesse ser um pouco mais trabalhada - penso que há, em certas passagem (ao nível da escrita mas o mesmo se passa ao nível da história em si), qualquer coisa de apressado ou desleixado que não parece resultar da melhor forma (pelo menos para este leitor).
A narrativa policial é, de certo modo, de um tipo clássico - isto é, o investigador vai avançando no seu conhecimento do caso sem mostrar o seu jogo ao leitor; no fim, qual história de Poirot (podia dar outros exemplos), o detetive desvenda os mistérios perante uma plateia, apontando os culpados. A meu ver, o desfecho é um dos pontos mais frágeis do romance: a meu ver, não há verdadeiramente uma cadeia explicativa, nem grande complexidade (ainda que o autor jogue com as relações, cumplicidades e inimizades, dos vários personagens), mas antes um fecho simples e um pouco frouxo.
Mas longe de mim dizer que não me agradou ler este livro. A verdade é que, não sendo um livro fabuloso ou obrigatório, me propiciou umas horas agradáveis e descontraídas de leitura. Se o livro tem pontos menos conseguidos tanto a nível da escrita como a nível da história (que os tem, na minha modesta opinião), não fiquei completamente defraudado com Miguel Miranda. Em muitos pontos apreciei o seu humor (não somente os toques de kitsch, mas sobretudo o uso da ironia), os seus piscares de olho ao Porto, e alguns dos seus apartes de tipo aforístico.
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