segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

"A Morte É Uma Flor. Poemas do Espólio", de Paul Celan

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A poesia de Paul Celan, a que agora chego após a leitura esparsa de alguns poemas, foi-me recomendada ao longo dos anos em diferentes contextos por diferentes pessoas. Por um motivo ou outro, fui adiando este autor e a sua obra. Mas, como é usual dizer-se, mais vale tarde que nunca.
Talvez A Morte É Uma Flor. Poemas do Espólio não seja a mais recomendável para iniciar a descoberta da poesia de Paul Celan, por se tratar de uma antologia de poemas retirados do seu espólio não publicado. Nas páginas deste volume encontramos poemas que o autor não tencionava publicar (rejeitados por não obedecerem aos seus critérios estéticos ou, em alguns casos, por serem demasiado pessoais), poemas não concluídos, fragmentos somente iniciados e posteriormente abandonados.
Nesta seleta, que talvez, repita-se, não faça total justiça ao autor, li alguns poemas verdadeiramente impressionantes, como é o caso do que dá nome ao livro (cujo primeiro verso é «A morte é uma flor que só se abre uma vez»), ou aquele - denominado "Grão-de-Lobo" - em que o poema se reporta à morte dos pais num campo de trabalho nazi. Na minha leitura destes poemas, frequentemente obscuros (o seu sentido oferece resistência à apreensão), não pude deixar de sentir uma certa tensão trágica, e mesmo, especialmente em alguns versos, uma propensão para o sombrio. Encontrando-me a ler outras páginas (prosa) de Celan, tentarei em breve prosseguir na descoberta da sua poesia.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

"Dora Bruder", de Patrick Modiano

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Dora Bruder foi a minha primeira incursão pela obra do mais recente Prémio Nobel da Literatura (2014), o francês Patrick Modiano. Incursão, aliás, bastante feliz, que me convida a explorar (a breve prazo) mais livros do autor.
Apreciei bastante este curto livro (que se lê em poucas horas), por várias razões: desde logo pelo que nos conta (o percurso de Dora Bruder, uma jovem judia que terá vivido em Paris durante a ocupação nazi); depois, pelo modo como nos conta (este é um romance ensaístico, uma vez que o autor-narrador expõe nas páginas do livro as etapas e os resultados da sua "investigação", a sua tentativa de recuperar indícios do passado, cruzando-os com aspetos da sua própria biografia); e por fim, pela sua maneira de escrever (a escrita de Modiano é sóbria, por vezes factual, direta ou jornalística, mas inteligente na forma como articula factos objetivos com impressões subjetivas). Este livro (desconheço se se trata de uma característica do escritor) é feito de fragmentos ou, melhor dizendo, de uma sobreposição de camadas - que, seguindo um rumo nem sempre muito claro (como aliás acontece com o processo de recordar), vão contando uma história: a história (feita de muitas lacunas também elas significativas) de uma vida.
Julgo que o autor trata com muita delicadeza, ou mesmo elegância, a história (resgatada ao esquecimento) de Dora Bruder, uma entre tantos milhares de vítimas da voragem genocida nazi (sendo que cada vítima tem a sua própria história, o seu próprio percurso, o seu próprio drama, a sua tão singular dor). O esforço do narrador-autor assemelha-se a uma luta contra o esquecimento, ou contra a amnésia inconsciente do presente. Muitos dos edifícios e das ruas parisienses onde foram feitas apreensões durante a ocupação, bem como os recintos onde foram aprisionados os judeus antes da deportação, ainda existem, indiferentes à História; também eles são personagem desta narrativa, sendo magnificamente evocados por Modiano.
Um livro, portanto, muito recomendável, que procurarei um dia destes ter na minha própria biblioteca.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

"Império. Como a Grã-Bretanha construiu o Mundo Moderno", de Niall Ferguson

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Há cerca de dois anos atrás, quando foi lançado em Portugal (dez anos após a publicação original), senti curiosidade por este livro. Por um lado, interessa-me o tema genérico da ascensão e queda dos impérios (veja-se, por exemplo, o que escrevi sobre A Queda de Roma e o Fim da Civilização, de Bryan Ward-Perkins); por outro, interesso-me pelo caso muito peculiar do Império Britânico. Por curiosidade (e casualidade), durante a leitura desta obra revi - num qualquer canal de televisão, a uma hora tardia - parte desse épico cinematográfico chamado Gandhi, o que me fez refletir um pouco sobre o modo como a Grã-Bretanha lidou com esse pedaço (a "joia da coroa") do seu império e com as legítimas reivindicações dos indianos.
Império. Como a Grã-Bretanha construiu o Mundo Moderno, de Niall Ferguson (que abre com um excerto do recentemente lido O Coração das Trevas, de Joseph Conrad), levanta algumas questões muito pertinentes: Como é que uma pequena ilha conseguiu construir o maior império da história (lembre-se que os britânicos chegaram a dominar, no seu apogeu imperial, um quarto do globo, bem como um quarto da população do mundo)? Porque (e como) é que um povo livre e cultor das liberdades individuais acabou a subjugar tantos povos? Niall Ferguson, sem esquecer os aspetos marcadamente negativos do imperialismo britânico (exploração de recursos do territórios coloniais, escravatura e tráfico de escravos, casos de violência desmedida para impor o domínio, casos de limpeza étnica, de imposição do modelo racista, etc.), não deixa de referir que este contribuiu para a difusão de certos aspetos "positivos" - a língua inglesa (talvez o maior legado, na medida em que a sua difusão a tornou a língua dominante), os ideais liberais e democráticos, os desportos de equipa, entre outros.
O primeiro capítulo aborda o início do Império Britânico. Ao longo dos séculos XVI e XVII, os britânicos recuperaram o atraso técnico e científico em termos de navegação (conseguiram ultrapassar os holandeses e afirmar a sua supremacia naval, tanto a nível de marinha mercante como de guerra), lançando-se no saque (pirataria e corso) aos navios das outras potências (nomeadamente as peninsulares), bem como no ataque e estabelecimento em alguns territórios ultramarinos. No caso da Índia (espaço muito desenvolvido e com uma numerosa população), os britânicos souberam beneficiar das lutas internas para, através da sua Companhia das Índias Orientais, afirmar a sua posição comercial, influência política e militar (o que se traduziu numa crescente implementação territorial). As guerras vitoriosas travadas contra a França, no século XVIII, traduziram-se na aquisição de novos territórios - e, logo, na expansão do império.
De colonização se ocupa o segundo capítulo. Muitos foram aqueles que, em busca de liberdade económica, religiosa, política ou simplesmente de lucro, se lançaram na emigração para os espaços imperiais. Nos territórios americanos, aonde acorreram muitos britânicos no século XVII, os nativos foram gradualmente sendo despojados das suas terras (e mesmo aniquilados); estas terras passaram, então, a ser exploradas por europeus e por escravos africanos. Como é sabido, no século XVIII o Império Britânico perdeu a sua mais importante colónia americana - o conjunto de territórios que se revoltou, declarou e firmou pela armas a sua independência: os Estados Unidos da América; mas, simultaneamente, é nesse século que se abule a escravatura no império (enquanto nos recém erigidos Estados Unidos a escravatura permanecerá basilar na economia dos estados do sul durante cerca de um século), e em que se desenvolve a colonização da Austrália (que inicialmente serviu quase de colónia penal para degredados).
O terceiro capítulo aborda a questão da missionação e da tentativa britânica de difusão/imposição dos seus valores culturais, sociais, políticos, morais, religiosos, etc. (ou "civilizacionais", de acordo com a linguagem oitocentista), a populações muito diferentes, com diversos graus de complexidade cultural. Neste contexto, e influenciados por uma forte campanha de cariz religiosa na opinião pública, os britânicos foram pioneiros na abolição da escravatura e na repressão (através da sua marinha) a todo o tráfico de escravos. Se em África o seu esforço de missionação (isto é, de conversão dos africanos ao cristianismo protestante e de abandono de práticas "supersticiosas" e arcaicas) foi conhecendo algum sucesso (em parte à boleia do papel dos missionários no combate a certas doenças), a situação na Índia foi bem diferente: quando o esforço de missionação procurou eliminar certas práticas culturais e religiosas indianas ancestrais, por considera-las nefastas ou bárbaras, a reação foi geralmente violenta (ocorreram rebeliões várias com diversos graus de violência), acabando por prejudicar os laços comerciais e a segurança política e levando ao abandono de tais tentativas de interferência.
Uma questão interessante, a que o autor procura dar resposta no quarto capítulo, é perceber como é que um tão vasto império conseguiu ser gerido por um quadro de funcionários tão diminuto (na Índia, excluídos os homens de armas e os funcionários subalternos indianos, o governo dependia de cerca de mil funcionários de origem britânica). A segregação racial (os britânicos reclamavam um estatuto superior, privilegiado) e os limites à ascensão hierárquica dos nativos das colónias levaram a algumas revoltas (e, consequentemente, a violentas reações por parte das autoridades britânicas) e ao eclodir de sentimentos nacionalistas.
O Império Britânico muito deveu à ação das armas. Tanto na conquista e ocupação territorial no contexto da chamada "Corrida a África" (nas últimas décadas do século XIX, em competição com as restantes potências coloniais europeias), como na repressão a reivindicações nacionalistas (como o caso irlandês), o Império Britânico fez valer o seu poderio bélico. O contingente militar imperial (constituído por soldados das mais variadas nacionalidades) foi, um pouco mais tarde, fundamental no primeiro grande conflito à escala global: a Primeira Guerra Mundial.
O sexto e último capítulo aborda a queda do Império Britânico. Este, de acordo com Niall Ferguson, não resistiu ao confronto com outros impérios (japonês, italiano, nazi) e ao fortalecimento dos movimentos nacionalistas (nomeadamente indiano - liderado pela figura de Gandhi, que enveredou pela resistência pacífica e não-violência associada a boicotes - e irlandês - que sempre se pautou pelo uso da violência e da luta armada para reclamar a independência). O caráter decisivo da entrada em cena dos Estados Unidos para a vitória aliada (e do conexo endividamento da Inglaterra face aos EUA) contribuiu enormemente para a derrocada do império: Roosevelt era contrário ao imperialismo e favorável à independência das colónias europeias; assim, os Estados Unidos sancionaram o fim do Império Britânico ainda que tendo criado, paradoxalmente, uma espécie de império de poder e influência (de sentido anticomunista e antisoviética). O mundo do pós-guerra, como é sabido, fez-se de duas superpotências (EUA e União Soviética), que lutaram entre si pela hegemonia política e militar a nível global; à medida que as tecnologias bélicas se sucediam a uma velocidade vertiginosa, para a Grã-Bretanha tornou-se insustentável a defesa do império; com a perda do império, o papel da Grã-Bretanha passou a ser subalterno.
O que posso dizer em jeito de conclusão sobre esta obra? Que é um belíssimo livro de História, bem escrito e estruturado, rigoroso, cruzando vários planos de informação, sem aquele academismo exagerado que muitas vezes aliena o leitor não especializado ao "matar" a parte narrativa (ou se se quiser literária) da obra. Pelo que li, Niall Ferguson tem alguns posicionamentos polémicos - e até sou capaz de identificar algumas ideias menos consensuais (juízos históricos, como o pesar os prós e contras do Império Britânico) neste seu Império. Como a Grã-Bretanha construiu o Mundo Moderno; porém, mesmo essas ideias, a avaliar por esta leitura, são a meu ver suficientemente argumentadas. Um livro, em suma, fácil de recomendar.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

"Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada", de Pablo Neruda

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Nos últimos meses andei um pouco distante da Poesia. A meu ver a Poesia, para verdadeiramente ser apreciada (vivida?), exige uma espécie especial de tempo e disponibilidade, sob pena de a leitura ser superficial. Assim, dei preferência a outras leituras e deixei de lado os volumes de poesia.
A leitura destes Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, de Pablo Neruda, resulta quase de um acidente: um dia, procurando um livro específico na biblioteca local, tropecei neste volume, tão conhecido, citado e (julgo que fruto do tema e do renome do poeta) objeto de múltiplas reedições (o que é curioso, num país como Portugal). O título desta obra já lhe resume o assunto, pelo que não valerá a pena fazer mais considerações. Sobre a poesia de Neruda, nesta tradução de Fernando Assis Pacheco (também ele poeta), poderei apenas dizer que - a avaliar pelo que conheço (um ou dois livros) - não é das que mais aprecio. Ainda assim, não posso deixar de reconhecer a beleza dos poemas desta coletânea (alguns há que muito me agradaram), que inclui versos marcantes como «Quero fazer contigo / o que a primavera faz com as cerejeira

"Invenção do Problema", de Luís Adriano Carlos

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Não é difícil de reconhecer que Invenção do Problema, de Luís Adriano Carlos (editado originalmente em 1986), se trata de um único poema, constituído por cinquenta e duas estrofes (décimas) decassilábicas, que se vão graciosa e inteligentemente encadeando - o final de cada estrofe fornece, ainda que não textualmente, o início da seguinte.
Há  nesta obra uma admirável depuração e um apurado  trabalho na escolha de cada palavra. Nas palavras de Américo Oliveira Santos, de um texto que serve de posfácio (a par de um segundo da autoria de Vera Lúcia Vouga), «O texto exige uma qualidade raríssima: a de aliar a extrema densidade de sentido e de agenciamento temático à leveza prodigiosa da enunciação».
No tema reside, a meu ver, uma espécie de jogo: a "invenção do problema" é simultaneamente uma busca, uma reflexão de cariz quase metaliterária, mas também um artifício inteligente. O tema da invenção e do problema aberto, sem contornos definidos e, logo, infinito. Assim, a retórica presente nos versos de Adriano Carlos, que em alguns momentos chega a ser assertiva (quase tautológica), é um recurso literário - uma "invenção" para o "problema" da invenção do problema.
 
 
 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

"Três Homens num Bote", de J. K. Jerome

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Podia dizer que ler Três Homens num Bote, de J. K. Jerome, foi como dar um simpático passeio, não apenas por tal obra ter um caráter digressivo (uma vez que descreve a viagem recreativa de barco feita por três amigos - e um cão - no rio Tamisa), mas sobretudo pelo seu tom humorístico (e não um tom qualquer, uma vez que corresponde àquilo que se vulgarizou chamar "humor britânico").
Este é um livro fácil e agradável de ler, além de bastante bem escrito. Se em certos momentos deambula pela história de Inglaterra - nomeadamente pelo passado medievo - ou se aproxima da descrição típica dos livros de viagem, Três Homens num Bote é rico em episódios caricatos e cómicos. Pessoalmente não consegui reprimir umas quantas risadas com o relato das peripécias do tio do narrador na hercúlea tarefa de pendurar um quadro na parede... Não me custa recomendar este livro a um conjunto alargado de leitores.
 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

"Auto de Fé", de Elias Canetti

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Honestamente, já não sei como cheguei a este Auto de Fé e ao seu autor, Elias Canetti. Sei que há cerca de um ano procurei este livro, que o encontrei numa biblioteca familiar e o trouxe para casa, onde o juntei à pilha de livros para ler a breve ou médio prazo. Sei também que vi o livro Massa e Poder, editado não há muito no nosso país, nos escaparates das livrarias após este meu contacto. Teria chegado a Canetti através de uma qualquer referência num dos livros lidos o ano transato? A verdade é que não sei. Canetti não é, seguramente, dos autores mais referidos da literatura, pese embora ter sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1981 - quarenta e seis anos depois da publicação do seu primeiro romance, Auto de Fé.
No centro do livro está, utilizando as palavras de Canetti (retiradas de um excerto de um ensaio seu, que serve de posfácio ao volume), um homem-livro, isto é, um ser quase sem traços humanos para além da sua devoção aos livros. Kien, o personagem principal, é um importante sinólogo, com uma memória prodigiosa e uma cultura imensa, cuja vida se confunde com o estudo no seio da sua rica biblioteca; porém, o percurso deste mal humorado e misantropo ser, praticamente associal (uma vez que procura limitar ao mínimo o seu contacto com os outros), vai alterar-se substancialmente quando decide casar-se com a sua inculta governanta (Teresa), por ter reparado, ao fim de vários anos de distante convívio, que ela cuidava bem dos seus livros. Rapidamente esta assume o seu estatuto de mulher e de senhora da casa (renunciando assim à mera condição de doméstica) e mostra o seu caráter materialista e ambicioso, fazendo cada vez mais exigências - a que Kien vai acedendo para poder ter o silêncio e a solidão que lhe são fundamentais para o seu estudo. Teresa vai açabarcando o espaço e os bens de Kien, até o expulsar totalmente de casa... Aqui começa a jornada do nosso protagonista (qual D. Quixote) pelo mundo real (não literário), durante a qual vai conhecer figuras verdadeiramente grotescas e sórdidas - como é o caso do corcunda Fischerle, um embusteiro e vigarista apaixonado por xadrez, que se vai tornar (qual Sancho Pança) criado do sinólogo...
A escrita de Canetti, bastante original ainda que porventura algo esquemática, revela um caráter potencialmente expressionista, visível num certo histrionismo, na presença do delírio, da loucura e da diluição da identidade individual, na tendência para o caricatural. É inegável o caráter irreal e fantástico de Auto de Fé, como é visível no seguinte excerto (Canetti procura a cumplicidade do leitor, ao convidá-lo a entrar na inverosimilhança): «- Agora ajude-me a descarregar os livros, por favor - disse-lhe Kien sem mais preâmbulos, assombrado com a sua própria ousadia. Para evitar qualquer pergunta capciosa, tirou da sua própria cabeça uma pilha de livros e passou-a ao anão. Este recebeu-a destramente entre os seus compridos braços e exclamou: - Ena tantos! Onde quer que os ponha?» 
Termino. Ao longo da leitura desta obra lembrei-me frequentemente da pintura Rua de Praga, de Otto Dix, de 1920; não exatamente pela presença de incapacitados (vítimas da Primeira Guerra Mundial na pintura), ainda que se possa ver em Fischerle uma espécie de incapacitado; a lembrança prende-se com o ambiente de decadência, de ruína, e até de imoralidade. Na pintura uma mão enluvada dá uma esmola (um selo) ao destroço humano, sem pernas, sem o braço esquerdo e com os olhos fundos, que pedincha em frente a uma loja de próteses; em Auto de Fé, há um mendigo cego atormentado pela maldade de quem, em vez de moedas, lhe deixa botões... E à direita, uma volumosa saia faz lembrar a saia azul de Teresa...