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O romance que publicara havia quarenta anos poder-se-ia considerar morte se neste mundo soubessem igualmente morrer as coisas que nunca chegaram a estar vivas. (in Um Embuste Perfeito)
Por mais que leia, várias vezes concluo que pouco conheço; existem sempre livros e autores (muitos deles não apenas excelentes, como também particularmente apropriados ao meu gosto pessoal) que me escapam, que desconheço. Há que agradecer, em muitas situações, ao acaso, que nos coloca à frente certas obras, certos autores, certos mundo (o acaso pode manifestar-se sob a forma de uma sugestão de um amigo ou até de um desconhecido; de uma citação feita por outro autor no livro que nos encontramos a ler; de um texto que encontramos na blogosfera enquanto fazíamos uma pesquisa; ou mesmo de um título que lemos numa lombada enquanto passeamos pelas estantes de uma qualquer biblioteca ou livraria, e que desperta em nós um estranho interesse...). Se não fosse ter iniciado, há já uns bons anos atrás, uma conversa sobre livros com um colega de trabalho, talvez nunca chegasse a Thomas Bernhard; se não tivesse lido os livros deste escritor, talvez não descobrisse Musil e O Homem sem Qualidades, que me encontro a ler presentemente...
Este pequeno livro de Italo Svevo, autor que conhecia de nome mas com a indiferença de quem não tem sobre ele qualquer referência concreta, foi uma pequena grande surpresa. Um Perfeito Embuste é uma história simples mas muito interessante, contada com grande finura, bastante elegância na linguagem e inteligência nas metáforas (nomeadamente nas algo ingénuas fábulas com passarinhos, passatempo do nosso protagonista), e um toque humorístico refinado (julgo que a belíssima tradução de Vasco Gato contribui muito para o prazer da leitura). O humanismo desta curta narrativa é, também, evidente, uma vez que trata de ilusão, engano, deceção...
Mario Samigli é um sexagenário que, tendo escrito e publicado um romance quando tinha vinte anos (romance esse que não vingou, apesar de o seu autor continuar a crer na sua bondade e ainda acalentar a esperança do seu reconhecimento), se vê enredado no embuste de um caixeiro-viajante das suas relações; assim, este - movido por um certo azedume face aos seus ares de literato de Mario - convence-o da existência de um editor austríaco interessado em traduzir e publicar-lhe a obra em alemão. Esta perspetiva, como não podia deixar de ser, vai trazer ansiedade e inquietação à vida (até aí cinzenta e desinteressante, ainda que limpa e satisfeita) de Mario...
Ao ler esta novela, não consegui deixar de pensar que Mario Samigli, com a sua obra única (apesar de continuar a escrever para si mesmo as tais fábulas), bem podia figurar no recentemente lido Bartleby & Companhia, de Enrique Vila-Matas. Por outro lado, também me veio à ideia A Capital, de Eça de Queiroz, que, embora de contornos muito díspares, também fala de ilusão, engano e deceção.
Estou certo que este não será o meu primeiro e último livro de Italo Svevo. Depois de procurar algumas informações sobre a sua vida e obras, tenho a intenção de arranjar e ler A Consciência de Zeno e eventualmente Senilidade - vamos esperar que sejam leituras para breve.