domingo, 26 de março de 2017

"D. Dinis", de José Augusto de Sotto Mayor Pizarro

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Com a leitura deste D. Dinis retomei o projeto de calcorrear as trinta e quatro biografias régias da coleção "Reis de Portugal", ensejo esse iniciado há quase oito anos. O presente volume foi o décimo sétimo lido, pelo que me encontro a meio do caminho (Demorarei - é a pergunta que me faço - outros oito anos a chegar à meta?).
José Augusto de Sotto Mayor Pizarro é um historiador conhecido deste que estas linhas vai tecendo, porém, se não estou em erro, nunca havia lido nada do autor - talvez por associá-lo a uma historiografia mais assente na genealogia, que nem sempre me fascina. Em todo o caso, a sua biografia dionisina corresponde bem aos propósitos de conjugar o rigor científico com a divulgação a um público não especialista. A linguagem utilizada é clara, objetiva, rigorosa, o que não obsta a alguns quase-àpartes de caráter pessoal (o biógrafo admite-se culpado na sua admiração pelo biografado, faz um ou outro comentário rementendo para a sua própria biografia, etc.), o que, julgo, contribui para aproximar o leitor (se não do biografado, pelo menos) do caráter humano das ciências históricas.
A estrutura do texto é bastante simpática: abre com uma panorâmica sobre a forma como D. Dinis (ou talvez, melhor, o seu longo reinado de 46 anos - apenas suplantado pelos de D. Afonso Henriques e de D. João I) foi sendo apropriado pela cronística, historiografia e imaginário popular (aspetos retomados no fim, em jeito de balanço); num segundo momento, faz-se um enquadramento do reinado, considerando as várias realidades políticas europeias, o reinado antecedente (de D. Afonso III - a sua chegada ao poder, a conquista do Algarve e luta pela sua jurisdição, as suas reformas administrativas, os conflitos com as autoridades religiosas derivadas do seu esforço de centralização do poder).
O grosso de livro analisa o seu reinado a partir de cinco cortes cronológicos: os anos de iniciação ao trono (1277-79), de afirmação (1279-87), de apogeu (1288-1304), de maturidade (1305-18) e de guerra e morte (1319-25). Dentro de cada um destes cortes, o biógrafo mantém uma estrutura de análise mais ou menos semelhante: aborda a política internacional (relação com os reinos peninsulares, ligações matrimoniais, conflitos e ganhos territoriais, tratados  - como o de Alcanices -, etc.), as tensões internas (conflitos com o seu irmão, o Infante D. Afonso, o choque do processo de centralização régias com os interesses dos senhores da nobreza e do clero, a guerra civil que o opõe ao filho), a administração e legislação (gestão do património régio, reforço do poder do rei, afirmação da sua autoridade fiscalizadora - através de inquirições sucessivas), a economia, defesa e povoamento (criação de feiras, cuidados defensivos e de povoamento nas regiões fronteiriças, desenvolvimento de marinha de guerra), entre outros aspetos (destaco, por exemplo, a criação da universidade ou da Ordem de Cristo). O volume encerra-se com um olhar sobre o homem: procura-se inferir traços de personalidade, abordar os anos de juventude, reconstituir os seus laços familiares (focando-se nomeadamente a rainha, irmão, filhos legítimos e bastardos), o seu quotidiano (o pouco que é possível conhecer) e colocar em evidência alguns elementos da sua produção literária.
Projeto ler em breve a biografia de D. Afonso IV, esgotando assim os textos dedicados nesta coleção aos reis da primeira dinastia; futuramente, conto esgotar os três volumes que me faltam ler relativos aos monarcas da denominada dinastia de Avis, e os consagrados aos Filipes segundo e terceiro de Portugal.

sábado, 25 de março de 2017

"A Maldição do Louva-a-Deus", de Miguel Miranda

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Não posso dizer que A Maldição do Louva-a-Deus, de Miguel Miranda, seja um livro imprescindível; é, como o anteriormente lido do autor - Sem Coração -, um livro ligeiro, bem disposto e, dentro do género, bem escrito.
O enredo entrelaça o percurso de vários personagens, todos com qualquer coisa de caricato, de que destaco: o escritor medíocre em crise de produção e com uma enorme necessidade de reconhecimento (ao ponto de encenar conversas telefónicas com escritores consagrados - Saramago, Mia Couto, Lobo Antunes, Tabucchi, Lídia Jorge, etc. - em cafés portuenses, ou comprar em massa os seus próprios livros para interferir com os números das vendas); e o vigarista (acabado de sair da prisão) especializado em aliciar mulheres, fazendo-se passar por um personagem algo misterioso, e sacar-lhes as economias. Existem ainda a esposa desiludida com a sua vida conjugal com o escritor, uma vidente algo sinistra, a filha lunática de um empresário têxtil, ou o traficante com pretensões a revolucionário. A ação desenrola-se em vários locais carismáticos de Gaia e Porto: Serra do Pilar, Avenida da República, Cabedelo, Passeio Alegre, Granja, Café Mucaba, livrarias Lello e Leitura, Petúnia...
Comparativamente ao já referido Sem Coração, julgo que este livro é um pouco menos interessante, sendo o seu enredo mais vago, sem grande direção, e demasiado assente no aspeto caricatural dos personagens (alguns, aliás, nem sequer têm grande relevância ou interesse).

terça-feira, 7 de março de 2017

"A Lenda do Santo Bebedor", de Joseph Roth

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Segunda novela lida de Joseph Roth: est' A Lenda do Santo Bebedor confirmou a minha primeira impressão (com O Leviatã), bastante positiva, da escrita de Joseph Roth. A escrita simples e o sentido alegórico (ou quase moral) das suas narrativas constituem aspetos que tornam aprazível a leitura.
A Lenda do Santo Bebedor relata as últimas semanas de um sem abrigo alcoólico das ruas de Paris, de seu nome Andreas. Inicialmente, nada sabemos desta figura, mas ao longo da narrativa vamos descobrindo as suas origens e alguns aspetos do seu passado. Entregue à sua sorte e vida errante, sem objetivos, Andreas aceita 200 francos de um estranho, comprometendo-se a, quando possível, devolver essa quantia na capela de S. Teresinha de Lisieux. A partir deste lampejo de sorte, alguns milagres mais lhe vão acontecer: arranja um serviço remunerado numa mudança de casa, encontra dinheiro numa carteira usada que entretanto comprara. Apesar de se dirigir várias vezes à capela para saldar a sua dívida, há sempre algo que o desvia e que resulta em dissipar futilmente o dinheiro prometido... Se, por um lado, Roth parece abordar a possibilidade de regeneração, por outro, acaba por prender Andreas a uma espécie de fatalismo, aliado a alguma falta de caráter e vontade própria (apenas parcialmente justificada pelo consumo de álcool); a meu ver esta novela trata, assim, de oportunidades perdidas.
Lido em pouco mais de uma hora, renovou-me a vontade de continuar a conhecer a obra de Joseph Roth.

sábado, 4 de março de 2017

"Maigret & Os Crimes de Montmartre", de Georges Simenon

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Se os livros anteriormente lidos da série "Maigret" foram escrito e publicados por volta do ano 1930, este Os Crimes de Montmartre data de 1951. Essa diferença temporal é, de certo modo, notória para o leitor: o personagem mantém-se congruentemente o mesmo, bem como as características literárias, mas há pequenas diferenças no desenrolar do enredo - fiquei com a sensação de uma maior maturidade narrativa, da construção mais aberta e arejada da história. Seja o que for - não me é difícil precisar -, este terá sido o livro mais apreciei dos até ao momento lidos.
A história desenvolve-se em torno de dois assassinatos, um dos quais denunciado, antes de ocorrer, à polícia por Arlette, uma bailarina de striptease. Após uma noite de trabalho, a stipper informou a polícia local que ouvira dois indivíduos a planear o assassínio de uma condessa; pressionada a dar mais pormenores na Polícia Judiciária, mostra-se, porém, hesitante e acaba quase por refutar as suas declarações. Alguma horas depois, Arlette aparece estrangulada em casa; pouco tempo depois, uma condessa decadente é efetivamente encontrada assassinada.
O mundo da noite parisiense, feito de cafés e cabarés sórdidos, serve de pano de fundo a esta investigação de Maigret.

quarta-feira, 1 de março de 2017

"Aforismos e Afins" e "A Educação do Estóico", do Barão de Teive

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«Ponho fim a uma vida que me pareceu conter todas as grandezas, e não vi conter senão a incapacidade de as querer.» (in A Educação do Estóico, do Barão de Teive)
E eis-me regressado a Pessoa, uma vez mais; é que este leitor, de quando em quando, sente necessidade de regressar a tal autor - e sendo a sua obra édita tão múltipla, há sempre imensas faces para redescobrir. (Podia acrescentar, em tom de brincadeira, que por mais que percorra a obra pessoa nunca descobri o tal texto - absurdamente medíocre, de autoajuda rasteirinha - que termina da seguinte forma: «Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...»).
Porque Pessoa é, sem dúvida, uma das grandes personalidades literárias mundiais - talvez a maior aqui do retângulo, por muito que as décadas de setenta e oitenta, à custa de tantos inéditos e descobertas no espólio, bem como da entrada em força nos currículos escolares, tenham levado a uma espécie de "enjoo pessoano"... (que, aliás, de alguma forma se prolonga, ou não fosse frequente ouvir políticos de carreira e outros personagens anti-culturais a citar, de peito inchado, um "quando a alma não é pequena" ou um "o poeta é um fingidor"); porque a sua obra vale a pena ler e reler, e reler, e reler; porque, por mais que se conheçam de cor pedaços dela, há sempre muito para admirar.
Feita a "hagiografia" - necessária, justa, apesar de não gostar de tais discursos -, resta-me dizer que retirei muito prazer da releitura de A Educação do Estóico (O Único manuscrito do Barão de Teive), uma das muitas obras fragmentadas e incompletas do espólio de Pessoa. Organizada pelo estudioso Richard Zenith (autor, por exemplo, de uma fotobiografia pessoana), a sequência construída do texto pessoano procura aproximar temáticas comuns, para resultar numa certa lógica.
Este "único manuscrito" é, segundo as palavras do Barão, uma "memória intelectual", um testamento da sua vida, prestes a ser terminada pelo suicídio, após ter queimado todos os seus escritos («(...) trechos já completos para obras que nunca escreveria»). Como se vê, Teive partilha com Pessoa esta incapacidade de levar até ao fim os seus escritos, de lhes dar forma definitiva; a justificação dada  pelo aristocrata remete para o seu perfecionismo, que, aliás, lhe toldava todas as outras ações além da escrita. Tal como o seu autor, o Barão de Teive recusa o amor (e a vida sexual) por ter "escrúpulos" em afetar o outro. Vários são, tal como acontece com o Bernardo Soares do Livro do Desassossego, os pontos de contacto com aquilo que é possível apreender da forma de pensar de Pessoa.
Quanto aos Aforismos e Afins, o interesse é mais relativo, pois se trata somente de uma selecta de fragmentos entre as muitas que se poderiam constituir. São, se se quiser, uma via preguiçosa de acesso à obra do autor português.