segunda-feira, 22 de agosto de 2016

"Maigret & Pietr, o Letão", de Georges Simenon

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Como recentemente escrevi, para além de Montalbán, tinha a intenção de conhecer a escrita de Georges Simenon, criador do famoso comissário Maigret. Comecei a desbravar território com este Pietr, o Letão, o primeiro livro de Maigret (publicado em 1929), que se desenrola em torno das ações de um criminoso internacional chegado a Paris.
Não sendo nenhuma obra maior da literatura policiária/policial, é um livro que se lê com alguma leveza: os capítulos e os parágrafos são curtos, a escrita é terra-a-terra, direta, sem grandes floreados, e privilegia-se a ação. É, portanto, uma leitura fácil, pouco exigente, que poderá adequar-se a alguns momentos do percurso deste leitor. Aguardam-me pelo menos mais 30 novelas do comissário numa biblioteca familiar para próximas leituras.

domingo, 21 de agosto de 2016

"Ar de Dylan", de Enrique Vila-Matas

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Enrique Vila-Matas ainda me pôde desiludir; não rejeito a possibilidade de ler qualquer coisa deste autor que me não agrade - como poderia rejeitá-la? Mas, até ao momento, Vila-Matas ainda não me defraudou, e isso faz com que seja um dos escritores que sigo com maior interesse e curiosidade.
Ar de Dylan desenvolve-se, como é deliciosamente recorrente em Vila-Matas, em torno de escritores (*) e intelectuais excêntricos, refletindo assim sobre a literatura e a arte. O narrador, escritor que decidira deixar de escrever, é convidado para um congresso sobre o fracasso na Suíça; aí conhece Vílnius Lancastre, cineasta fracassado (realizara uma curta metragem e propunha-se filmar toda a "história do fracasso geral do mundo") e filho do recentemente falecido escritor Juan Lancastre, com quem havia tido uma relação difícil (agora, depois do óbito, o filho via-se invadido por memórias paternas...). O narrador deixa-se fascinar pelo trágico relato do jovem com "ar de Dylan" e pela sua apetência por fracassar... e acaba por aceitar escrever uma autobiografia apócrifa de Juan Lancastre, como forma de um rebuscado ajuste de contas.
Nesta obra aparecem alguns dos temas recorrentes do autor. Por exemplo, na conversa entre Vílnius e Cláudio Aristides Maxwell, entendido em cinema americano clássico, retoma-se a discussão entre literatura convencional e literatura experimental ou de vanguarda (tão presente em Chet Baker pensa na sua arte); Vila-Matas evoca também aquilo que Max chama de literatura "híbrida", aquela que mistura romance com ensaio, artifício com realidade, criticando-lhe o intelectualismo... É por isto (por este jogos cheios de ironia) que aprecio este autor.
As referências literárias (não posso deixar de as arrolar) são mais que muitas: Joyce (sempre presente nos últimos livros que li de Vila-Matas, e que serve, enquanto autor de Ulisses, como paradigma da experimentação literária), Shakespeare (via Hamlet), Scott Fitzgerald, Nabokov, Proust, Knut Hansum (faz-se alusão a Fome, livro que tenho em casa na pilha dos livros a ler a breve-médio prazo), Joseph Roth (fiquei sugestionado a ler em breve O Leviatã), Laurence Sterne, John Banville (autor que ando para descobrir há já algum tempo), Graham Greene, Kafka, entre outros. Há também várias referências ao Oblomov, de Ivan Goncharov (que acrescentei também à minha lista de interesses literários), cuja atitude do personagem principal inspira a atitude do personagem Vílnius de Vila-Matas, voluntariamente apático e sem aspirações. (Pelo que expus sempre se comprova que os livros deste escritor catalão me levam a outros autores e obras, animando a minha curiosidade - que mais poderia querer?).

(*) Tantos são os escritores que colocam no centro dos seus romances, como protagonista e/ou narrador, outros escritores! Constato, porém, que poucos constroem alguma coisa com originalidade, graça, inteligência... Há nestes meus  medíocres textos alguns que se referem a tentativas pouco conseguidas (eventualmente também medíocres) de romancearem a realidade do escritor (escuso-me de apontar).

sábado, 20 de agosto de 2016

"Os Velhos Também Querem Viver", de Gonçalo M. Tavares

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Partindo de Alceste, de Eurípides, Gonçalo M. Tavares ensaia, com este Os Velhos Também Querem Viver, uma tentativa de recriar um episódio da mitologia grega, transpondo-o para o cerco de Sarajevo pelo exército sérvio nos anos noventa. Pessoalmente, achei um pouco gratuito este novo contexto: ser em Sarajevo durante a guerra da Bósnia nada acrescenta, nem há aparentemente qualquer justificação para tal cenário; aliás, achei a primeira estrofe do prólogo demasiado parecida com um parágrafo da Wikipedia.
Esta curta obra (eventualmente poética) trata do sacrifício de Alceste, mas também - e daí o título - da recusa de sacrifício do velho Feres. Atingido na cabeça pela bala de um sniper (em português "franco-atirador" ou "atirador furtivo"), Admeto estaria destinado a morrer; Apolo, porém, quer que ele viva e consegue que os deuses lhe comutem esse destino se houvesse alguém que por ele morresse. Ninguém mais se ofereceu (nem amigos, nem criados, nem o seu pai, Feres) a não ser a sua mulher Alceste (gesto feito por amor, ainda que Taveres não lhe dê grande expressão). O sobrevivente Admeto chora a morte de Alceste e mostra ressentimento contra o pai, por não se ter sacrificado por ele (com o argumento de este já ter vivido bastante tempo); Feres defende o seu direito à vida... Alceste acabará por ser resgatada à morte por Hércules, e assim se fecha a história.
Não deveria fazer muita diferença esta minha síntese ao enredo, pois o "modo" (isto é, a escrita) deveria justificar só por si a leitura. Porém, a meu ver, tal não acontece. As imagens utilizadas por Taveres, contrariamente a Uma Viagem à Índia (livro que, aliás, ando para reler - releitura que me permitirá confirmar este meu juízo), parecem-me algo pobres ou mesmo, lamento afirmá-lo, básicas; não encontrei nesta obra a frescura e inteligência dos jogos de linguagem e/ou de ideias que caracterizam a sua escrita. Um livro demasiado plano e pobre (apressado?) e, quase me arrisco a dizer sem ter lido a obra de Eurípides, que nada deve acrescentar ao escrito pelo autor grego.
Concluindo, não me parece dos escritos mais interessantes e conseguidos de Gonçalo M. Tavares.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

"Só", de António Nobre

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O meu primeiro contacto com António Nobre foi nos bancos da escola; na altura, já algo desperto para a poesia, não fiquei propriamente rendido, mas encontrei alguns pontos de interesse. Uns poucos anos mais tarde, nos inícios dos meus vintes, comprei uma edição de bolso de e fiz uma leitura mais estruturada.
Julgo que a minha impressão nessa primeira leitura de coincide em larga medida com a minha atual impressão: ainda que a poesia de António Nobre esteja, aqui e além, salpicada por laivos (ténues) de modernidade de finais de Oitocentos (o tédio, o spleen - presentes, de uma forma tão diferente, por exemplo na poesia de Baudelaire, falecido no ano de nascimento de Nobre), e apesar da graça que tem a sua muito fluída e coloquial linguagem (consigo encontrar neste aspeto alguma ligação a Cesário Verde), causa-me um certo enfado a persistência na piedade religiosa tradicional e no pendor tradicionalista e de cariz popular. De facto, não consigo achar interessante o pendor ultrarromântico da poesia de António Nobre - o seu excesso de "lua", o tom nostálgico, mas também de pieguice narcisica, de diminutivos...

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

"Os Pássaros de Banguecoque", de Manuel Vázquez Montalbán

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Não demorei muito a, depois de Os Mares do Sul, regressar a Montalbán, De facto, ainda que esse primeiro livro não fosse propriamente imprescindível, a escrita do autor catalão conseguiu agradar-me a ponto de querer reincidir.
Este Os Pássaros de Banguecoque é, na minha ótica, um pouco diferente do livro lido anteriormente (ainda que também se refira - aliás, expressão presente logo na quarta página - a esse universo dos "mares do sul"). Tem, é certo, algumas da características do policial - mantém-se, por exemplo, o detetive Pepe Carvalho como protagonista (bem como a sua trupe barcelonesa - o seu criado Bicuter, a sua "amiga" Charo, etc.) e a narração de uma investigação; porém, julgo que ultrapassa um pouco o género, caindo (mais do que Os Mares do Sul, a meu ver) no puro romanesco (visível nomeadamente na riqueza de algumas descrições).
Talvez a esse aspeto não seja indiferente as linhas de força do enredo: Carvalho parte para Banguecoque em busca de Teresa Marsé (uma amiga que lhe havia pedido ajuda, dado estar em perigo), busca que, com a ajuda (ou controlo?) da polícia local e da vigilância de certas organizações criminosas, o obriga a percorrer o território tailandês. O modo como esta narrativa se encerra é, creio, simultaneamente caricata e engenhosa.
As referências literárias abundam, de novo, nesta obra (Beckett, Torrente Ballester, Adorno, Anthony Burgess, Stanley Gardner, Somerset Maugham, Kippling, entre outras); tal como livro anteriormente lido, e contrastando com as referências a escritores e obras, Pepe Carvalho tem um hábito surpreendente: casualmente dedica-se à biblioclastia, isto é, à destruição de livros. Também a gastronomia está muito presente, ou não fosse o protagonista um gastrónomo.
Por tudo o que se escreveu, este leitor julga voltar novamente a Montalbán.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

"A Questão Finkler", de Howard Jacobson

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Não sei se é muita justa (ou sequer muito favorável) a criação por parte da crítica (com a consequente e rasteirinha reprodução pelas editoras para fins comerciais) de epítetos como "o Philip Roth inglês". Podemos questionar todos os rótulos, mas há alguns que colam apesar de falsearem a realidade. Julgo que o único ponto de Howard Jacobson (e deste A Questão Finkler, único livro que li do autor) em comum com Roth será o debruçar-se sobre a comunidade judaica e sobre as suas questões identitárias.
Dito isto, penso que Howard Jacobson tem uma voz própria, bem como um estilo de escrita próprio (pelo menos muito diferente do de Roth, que continuo a considerar um dos mais notáveis), que não deixa de fazer alguma reverência a (ou estar um pouco em linha com) um certo humor british (deixem passar o estrangeirismo) - na tradição, eventualmente, de um Wilt, de Tom Sharpe, mas sem cair tão verticalmente [no vício - desculpem esta intromissão da poesia cesariniana] no nonsense.
Neste seu livro, que recebeu alguma atenção na altura em que foi publicado (especialmente por ter sido premiado com o Booker Prize), Jacobson joga com os estereótipos existentes no Ocidente em relação aos judeus, tanto as sobrevivências de pendor negativo (xenófobas, raciais, religiosas) como outras mais neutras. Julian Treslove é um tipo melancólico de meia idade, algo pesaroso quanto ao seu passado, presente e futuro, relativamente frustrado profissional, amorosa e pessoalmente. Ao ser assaltado por uma mulher, que eventualmente lhe terá chamado "judeu", Treslove vai questionar a sua identidade e tentar encontrar no "ser judeu" uma resposta para os seus anseios enquanto sofredor. O autor toca ainda nas delicadas questões do disfarçado antissemitismo sobrevivente (e mesmo crescente) nas sociedades ocidentais, da exploração excessiva (para justificar determinadas atitudes ou para vitimização e culpabilização de outros) do Holocausto pelos judeus e das atitudes de Israel para com os palestinianos.
A Questão Finkler parece-me, pois, um livro bem escrito, original e bastante consistente, o que me faz ter alguma curiosidade em ler mais alguma coisa deste autor no futuro.