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Tal como em Don Juan, o autor transporta o leitor para o "Siglo de Oro", época não só de fulgor artístico e cultural (pense-se nas obras de Cervantes, Quevedo, Lope de Veja, Calderón, no Lazarilho de Tormes, mas também em Velázquez, El Greco, etc.), como de rigorismo religioso (vivia-se, na Europa Católica, a Contrarreforma, que teve na Inquisição um dos seus mais visíveis instrumentos). Porém, Crónica do Rei Pasmado não será exatamente um romance histórico (assim, embora se baseie em D. Filipe IV de Espanha e no seu ministro Conde de Olivares, nunca estes são nomeados, tornando o livro mais livre e permitindo leituras menos presas ao passado - isto apesar de considerar que, de um modo geral, o autor ser historicamente rigoroso, mesmo quando visita o patético).
Torrente Ballester aproveita precisamente esse contexto para construir uma história mirabolante (com alguns toques de fantástico): o jovem monarca de Espanha, tendo frequentado a mais cara prostituta da cidade e ficando fascinado com a sua nudez, insiste em ver a rainha nua... Este seu desejo gerará uma reação exacerbada de certos setores do clero, que pretendem que o comportamento moral e sexual do rei está afeto aos destinos do reino. Nesta obra joga-se assim com a fronteira entre domínio público e domínio privado (o conceito de intimidade é bem mais recente do que se possa imaginar - tenha-se em conta, por exemplo, que durante a confissão o cristão poderia ser convocado a expor os detalhes da sua sexualidade; a este propósito, leia-se História da Vida Privada em Portugal. A Idade Moderna).
Como já acima escrevi, gosto da escrita deste autor espanhol pela sua inteligência e pela homenagem que faz à literatura e ao humor picaresco. É, em suma, um livro que tenho facilidade em recomendar.
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