sábado, 31 de outubro de 2015

"Os Factos. Autobiografia de um romancista", de Philip Roth

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Mais do que interesse autobiográfico, para este Os Factos. Autobiografia de um romancista vale pelo seu interesse puramente literário, não exatamente por se tratar de um olhar sobre a "vida de um romancista" mas por, com elementos biográficos, refletir sobre as motivações da escrita (o modo como o autor escava, distorce e/ou recria com a imaginação memórias próprias, exagerando-as, complicando-as, tornando-as mais dramáticas e interessantes) e sobre a inevitável parcialidade de qualquer relato pretensamente autobiográfico.
Publicado em 1988 (e aparentemente escrito após um esgotamento), esta obra deambula por memórias pessoais de Roth: a sua infância durante os anos da Segunda Guerra Mundial numa família judaica de classe média; a procura de autonomia durante a sua juventude, a entrada na universidade e os seus primeiros projetos literários e sentimentais; o seu relacionamento com aquela que viria a ser a sua primeira mulher (dotada de uma personalidade amargurada, manipuladora ou até paranóica); a reação algo inflamada ao seu primeiro livro, Goodbye, Columbus, por parte da comunidade judaica; o contexto de criação de O Complexo de Portnoy, livro que lhe granjeou bastante sucesso.
O livro abre com uma "carta" de Roth ao seu personagem Nathan Zuckerman, na qual questiona se deve publicar tais memórias. Nas páginas finais, pode ler-se a resposta de Zuckerman, em que se critica o esforço de autobiografia de Roth («(...) eu não acredito em ti»), por ser seletivo e parcial (não se revelando as intencionalidades escondidas de tais seleções, por não serem claras as exclusões), por disfarçar e omitir (por pudor ou para não "magoar" os intervenientes), por falsificar e mitificar (consciente ou inconscientemente) - em suma, por ser um esforço ficcionado. «Com este livro ataste as mãos atrás das costas e tentaste escrevê-lo com os dedos dos pés.», acusa Zuckerman. Deste modo literariamente original, a meu ver, Roth faz mea culpa,  assumindo-se como um mau biografo de si mesmo (pela falta de distanciamento do objeto biografado) e assume que o seu campo é a ficção.
Felizmente para mim, ainda existe um bom número de livros do autor que ainda não li, tendo, por exemplo, reservado para o futuro O Teatro de Sabbath.

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