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Há dias comemorou-se o cinquentenário do assassinato de John Fitzgerald Kennedy. Muitos foram os documentários que, em Novembro e Dezembro, passaram nos vários canais de televisão. Imbuído no tema, revi JKF, filme realizado por Oliver Stone (que retrata a reabertura da investigação por Jim Garrison, cético quanto à tese do atirador solitário e, assim, favorável à existência de uma conspiração).
Juntando o útil (ler um primeiro livro de Don DeLillo, considerado um dos maiores escritores americanos no ativo) ao agradável (continuar a navegar no tema), parti para este livro. Porém, nunca a leitura teve por motivação qualquer demanda em busca de uma verdade qualquer; tenho tido a capacidade (espero eu!) de, ao longo de anos como leitor, compreender que um livro de ficção é isso mesmo - um livro de ficção - e, como tal, não tem que fornecer quaisquer chaves para descodificar a realidade (ainda que, por vezes, apareçam uns "romances" de tese com pretensões de realidade - mas também, e talvez sobretudo, pretensões de venderem milhões de exemplares, numa lógica que subordina a verdade à lógica de mercado). DeLillo, aliás, esclarece numa nota final que o seu livro não tem quaisquer pretensões de solucionar um dos casos mais enredados (a um nível quase esquizofrénico) da história americana recente.
Como americano, e independentemente da "tese" (ou rumo) seguido para construir o trama ficcional, é natural que Don DeLillo tenha sido marcado por este caso, ao ponto de decidir debruçar-se sobre ele e publicar Libra no vigésimo quinto aniversário do assassinato.
Neste livro, o autor cria uma teia de relacionamentos, factos (reais ou inventados), coincidências, e relata a génese e desenvolvimento de uma conspiração que, quase por acidente, tropeça em Lee Harvey Oswald, figura oficialmente apontada como o presumível autor do atentado. Há duas linhas narrativas principais detetáveis, que se vão alternando e aproximando (até, por fim, coincidirem): a primeira linha (cada capítulo recebe o nome do local onde decorre a ação) segue cronologicamente o percurso algo itinerante de Oswald da infância até à morte; a segunda linha (nesta os capítulos referem-se a dias concretos) segue a investigação de Nicholas Branch, operacional reformado da CIA encarregue da escrita de uma história do caso, e caracteriza-se pelo recuo a certos momentos chave da cronologia da conspiração.
O trabalho de reconstituição feito pelo personagem Nicholas Branch pode ser visto, de forma metafórica, como o esforço de Don Delillo (a investigação inerente à sua ficção): encerrado numa divisão de sua casa, rodeado de documentos vários que não param de chegar, tenta solitariamente compreender (como tantos americanos desde 1963) o que realmente aconteceu. Apesar dos momentos de desânimo e inevitável confusão, gerados pela existência de indícios contraditórios, sinais indecifráveis e dados de difícil avaliação, Branch - como Delillo - avança...
Curiosa é a forma como Lee Harvey Oswald é caracterizado. Ao longo das páginas de Libra, Oswald é descrito como um inadaptado, de caráter inconstante, com tendências algo megalómanas (convencido a cada momento, e apesar das constantes mudanças de rumo, da sua previsível futura importância histórica, sentindo-se ocasionalmente a agir para a posteridade); o autor também lhe imputa uma certa imaturidade intelectual (perfeitamente verossímil aliás, especialmente se tivermos em conta que morreu com apenas 24 anos), visível, por exemplo, na forma pouco consistente como digeriu o que leu sobre o comunismo.
No enredo construído por Delillo, Oswald acaba por encaixar perfeitamente no perfil traçado por uma rede de conspiradores (ligados à CIA e a grupos relacionados com a questão cubana) que pretende atentar contra a vida do presidente dos Estados Unidos. Oswald acaba, assim, por ser manipulado (como se tal missão lhe estivesse predestinada, tendo em conta as suas confusas convicções políticas) não só para participar no atentado contra Kennedy, como também para arcar solitariamente com toda a responsabilidade.
Devo dizer que inicialmente (e não sei até que ponto a tradução influenciou a minha impressão) achei a escrita de Don Delillo um pouco seca, fria, nada cativante. Porém, essa impressão foi-se diluindo gradualmente, à medida em que me fui deixando enredar pela trama. Só um segundo ou terceiro livro do autor, a quem reconheço qualidades (nomeadamente narrativas), me poderão fornecer uma ideia mais clara sobre a escrita deste autor.
Juntando o útil (ler um primeiro livro de Don DeLillo, considerado um dos maiores escritores americanos no ativo) ao agradável (continuar a navegar no tema), parti para este livro. Porém, nunca a leitura teve por motivação qualquer demanda em busca de uma verdade qualquer; tenho tido a capacidade (espero eu!) de, ao longo de anos como leitor, compreender que um livro de ficção é isso mesmo - um livro de ficção - e, como tal, não tem que fornecer quaisquer chaves para descodificar a realidade (ainda que, por vezes, apareçam uns "romances" de tese com pretensões de realidade - mas também, e talvez sobretudo, pretensões de venderem milhões de exemplares, numa lógica que subordina a verdade à lógica de mercado). DeLillo, aliás, esclarece numa nota final que o seu livro não tem quaisquer pretensões de solucionar um dos casos mais enredados (a um nível quase esquizofrénico) da história americana recente.
Como americano, e independentemente da "tese" (ou rumo) seguido para construir o trama ficcional, é natural que Don DeLillo tenha sido marcado por este caso, ao ponto de decidir debruçar-se sobre ele e publicar Libra no vigésimo quinto aniversário do assassinato.
Neste livro, o autor cria uma teia de relacionamentos, factos (reais ou inventados), coincidências, e relata a génese e desenvolvimento de uma conspiração que, quase por acidente, tropeça em Lee Harvey Oswald, figura oficialmente apontada como o presumível autor do atentado. Há duas linhas narrativas principais detetáveis, que se vão alternando e aproximando (até, por fim, coincidirem): a primeira linha (cada capítulo recebe o nome do local onde decorre a ação) segue cronologicamente o percurso algo itinerante de Oswald da infância até à morte; a segunda linha (nesta os capítulos referem-se a dias concretos) segue a investigação de Nicholas Branch, operacional reformado da CIA encarregue da escrita de uma história do caso, e caracteriza-se pelo recuo a certos momentos chave da cronologia da conspiração.
O trabalho de reconstituição feito pelo personagem Nicholas Branch pode ser visto, de forma metafórica, como o esforço de Don Delillo (a investigação inerente à sua ficção): encerrado numa divisão de sua casa, rodeado de documentos vários que não param de chegar, tenta solitariamente compreender (como tantos americanos desde 1963) o que realmente aconteceu. Apesar dos momentos de desânimo e inevitável confusão, gerados pela existência de indícios contraditórios, sinais indecifráveis e dados de difícil avaliação, Branch - como Delillo - avança...
Curiosa é a forma como Lee Harvey Oswald é caracterizado. Ao longo das páginas de Libra, Oswald é descrito como um inadaptado, de caráter inconstante, com tendências algo megalómanas (convencido a cada momento, e apesar das constantes mudanças de rumo, da sua previsível futura importância histórica, sentindo-se ocasionalmente a agir para a posteridade); o autor também lhe imputa uma certa imaturidade intelectual (perfeitamente verossímil aliás, especialmente se tivermos em conta que morreu com apenas 24 anos), visível, por exemplo, na forma pouco consistente como digeriu o que leu sobre o comunismo.
No enredo construído por Delillo, Oswald acaba por encaixar perfeitamente no perfil traçado por uma rede de conspiradores (ligados à CIA e a grupos relacionados com a questão cubana) que pretende atentar contra a vida do presidente dos Estados Unidos. Oswald acaba, assim, por ser manipulado (como se tal missão lhe estivesse predestinada, tendo em conta as suas confusas convicções políticas) não só para participar no atentado contra Kennedy, como também para arcar solitariamente com toda a responsabilidade.
Devo dizer que inicialmente (e não sei até que ponto a tradução influenciou a minha impressão) achei a escrita de Don Delillo um pouco seca, fria, nada cativante. Porém, essa impressão foi-se diluindo gradualmente, à medida em que me fui deixando enredar pela trama. Só um segundo ou terceiro livro do autor, a quem reconheço qualidades (nomeadamente narrativas), me poderão fornecer uma ideia mais clara sobre a escrita deste autor.
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