quinta-feira, 17 de outubro de 2013

"Obras completas de Sherlock Holmes" (6 vols.), de Arthur Conan Doyle

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Todas as emoções, particularmente o amor, incomodavam a sua mentalidade admiravelmente equilibrada e fria. Creio que era a mais perfeita máquina de raciocinar da Criação, mas, como namorado, ficaria numa posição falsa. Nunca falava das emoções sentimentais, a não ser por brincadeira e com desdém. Para um calculista como ele, admitir tais intrusões no seu delicado e ordenado temperamento, seria como admitir um fator de perturbação que poderia criar dúvidas nas suas conclusões. Um grão de areia num instrumento delicado não se tornaria mais deteriorante do que uma emoção forte numa natureza como a sua. (in "Um Escândalo na Boémia", vol. 4)
E eu sou cérebro, Watson. O resto da minha pessoa é um mero apêndice. (in "A Pedra Mazarino", vol. 5)
Se há personagem que me fascina é Sherlock Holmes, o detetive criado por Conan Doyle em finais do século XIX. O fascínio, que vem da adolescência, muito deve à excelente série televisiva dos anos oitenta e noventa (do século XX) protagonizada por Jeremy Brett (devo dizer, aliás, que, para mim, a identificação entre o personagem e o ator britânico é perfeita - nunca vi outra interpretação tão carismática quanto a de Brett). Daí que, de quando em quando, sabe bem regressar ao mundo da dupla Holmes e («- Elementar, meu caro...») Watson.
A obra completa de Sherlock Holmes é composta por quatro histórias longas e cinquenta e seis curtas (organizada em seis volumes na coleção "Vampiro Gigante") - perto de duas mil páginas! Muitas são as histórias memoráveis: "O Ritual Musgrave", "O Cão de Baskerville", "O Intérprete Grego", "O Signo dos Quatro", "Os Seis Napoleões", "O Vale do Terror", "O Detetive Agonizante", "Os Bonecos Bailarinos" - eis algumas das que mais gostei de reler. Mas, como já de certo modo deixei transparecer acima, mais do que os mistérios em si, gosto sobretudo do personagem principal, bem como do mundo descrito (anterior às técnicas policiais modernas - fotografia, impressões digitais, análise ao sangue, ADN, etc.).
Sherlock Holmes afirma-se como um detetive particular consultivo, profissão criada por si para aproveitar as suas superiores faculdades dedutivas. Ao longo dos seus casos, vai prestando auxílio às entidades policiais, mas não em busca de reconhecimento (este acontece posteriormente, por via dos relatos escritos pelo Doutor Watson) - a sua recompensa é o prazer em pôr em prática os seus dons (por outro lado, o seu cérebro revolta-se contra a inação, contra a monotonia rotineira da existência sem enigmas). Nunca se envolve na investigação de um caso por qualquer tipo de sentimentalismo ou empatia, mas apenas pelo desafio da descoberta da verdade através dos seus métodos dedutivos... Além disso, é autor de várias monografias de importância para o seu ofício (sobre tipos de tabaco e suas cinzas, sobre pegadas, sobre criptografia, etc.), bem assim como químico amador e executante de violino... 
O seu caráter, apesar de brilhante em termos intelectuais (ainda que considere supérfluo todo o conhecimento não diretamente ligado ao seu ofício - e daí assumir, com absoluta indiferença, desconhecer o heliocentrismo!), tem também alguns aspetos negativos: é irritável, algo sobranceiro (com bastante confiança nas suas capacidades, ainda que em vários momentos estas provem ser falíveis), por vezes arrogante, contundente em alguns momentos (tanto felicita Watson pelas suas histórias como as critica com acidez), fumador compulsivo (e até consumidor de substâncias psicoativas), um pouco misantropo (as suas relações sociais e pessoais são escassíssimas) e solitário. Num ou noutro caso, Holmes vê-se forçado a recorrer a atos ilegais, ainda que moralmente justificáveis (como é o caso do arrombamento do cofre de um chantagista inflexível para lhe destruir o espólio documental, de grande potencial destrutivo). Longe de lhe retirarem mérito (o que talvez fosse intenção do autor, uma vez que Doyle, autor extremamente prolixo, nem sempre teve uma relação fácil com o personagem que mais fama lhe granjeou), estes aspetos negativos acrescentam-lhe humanismo, aproximando-o mesmo do leitor, sempre pronto a desculpar-lhe as fraquezas e defeitos.
Um aspeto que me surpreendeu na releitura destas histórias foi a escassa presença de Moriarty, o "arqui-inimigo" de Sherlock Holmes e génio do crime. Sendo referido pela primeira vez em "O Vale do Terror", apenas participa como personagem em "O Problema Final" (história na qual Doyle, cansado do seu personagem, o faz morrer numa luta com Moriarty nas Cataratas de Reichenbach; a pressão do público, porém, fez com que o autor ressuscitasse Holmes em "A Casa Vazia", para mais umas quantas histórias); é referenciado em mais quatro narrativas, para além das três mencionadas. O seu irmão Mycroft, por sua vez, aparece apenas em duas histórias e referido noutras duas - pensava igualmente que este personagem aparecia em mais casos...
Apesar de toda a evolução das técnicas e metodologias policiais, esta obra, escrita de uma forma simples e muito direta, com muitos diálogos e bastante ação, ainda consegue encantar o leitor contemporâneo. Talvez por dependermos cada vez mais da tecnologia em todos os domínios da nossa vida, penso que a leitura destas histórias nos ajudam a valorizar o pensamento humano (por si só) e várias faculdades intelectuais (de observar, de interpretar, de especular, de imaginar), que talvez não devêssemos reservar (tão confiada e absolutamente) para os computadores...

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