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É-me impossível negar o interesse que tenho pelo tema da Inquisição. Nos últimos anos tenho lido uns quantos livros (Inquisição de Évora. Dos primórdios a 1668, de António Borges Coelho; A Inquisição de Coimbra no Século XVI. A instituição, os homens e a sociedade, de Elvira Mea; e A Inquisição, de Toby Green (*)) dedicados a tal instituição no âmbito nacional ou peninsular. Tenho consciência que este é um tema que, por ter um certo apelo comercial (gerado pela curiosidade de muitos) encerra uma certa perigosidade no que toca à sua abordagem (além de muita bibliografia bem fundamentada, séria, estruturada, existem também bastantes trabalhos - e romances menores - com as interpretações e perspetivas mais fantasiosas); há, como aliás em todas as áreas, que procurar ler bem - isto é, escolher bons livros (no caso da historiografia, livros rigorosos, fiáveis, assentes numa investigação honesta, mesmo que dirigida às massas).
O livro de Isabel M. R. Mendes Drumond Braga pretende, como se assume na introdução, abordar alguns aspetos do quotidiano dos presos nas cadeias da Inquisição - evitando assim as problemáticas referentes à orgânica institucional, aos "crimes", à burocracia processual e às vítimas -, numa abordagem com similitudes à da micro-história. A autora parte de casos ilustrativos para tentar dar uma visão de conjunto, apesar de nem sempre ser fácil perceber a representatividade de certas situações relatadas.
Num primeiro momento, Isabel Drumond Braga esclarece o leitor, de forma sintética e bem estruturada, sobre a fundação e da evolução da Inquisição em Portugal; os objetivos para a sua instauração (perseguição às heresias protestantes, perseguição aos judeus e judaizantes, e outros delitos); e as características do processo inquisitorial (o seu caráter sigiloso, o desconhecimento por parte do réu dos seus acusadores, o fomento da denúncia, a utilização do medo e da tortura, as falsas acusações, as sentenças e os autos-de-fé). Encerrada esta contextualização, são abordados vários aspetos concernentes ao quotidiano: as instalações prisionais (suas condições físicas, sanitárias, etc.), os interrogatórios (os vários tipos de interrogatórios existentes - genealógico, doutrinário, judiciário, etc. -, as denúncias e o enumeração das inimizades, o uso do tormento), as refeições e a ocupação dos tempos livres (coser, fiar, rezar, caminhar pela cela, ler, excecionalmente ler e escrever), os nascimentos (o modo como eram tratadas as grávidas, o momento do parto), a doença e a morte (chamando-se a atenção para a existência de pessoal médico e destacando-se as situações de loucura real ou simulada), a procura de comunicação com o exterior (frequentemente com a colaboração de funcionários do próprio Santo Ofício, em troca de benesses materiais ou sexuais) e o regresso a casa (após a publicação da sentença - nos autos-de-fé - e do cumprimento das penas; neste regresso era exigido ao ex-cativo o segredo absoluto a tudo o que assistira e vivenciara no cárcere, sob pena de nova acusação).
Para concluir, Viver e Morrer nos Cárceres do Santo Ofício é um livro cientificamente sólido e objetivo de divulgação histórica (o próprio tema do quotidiano é, de certa forma, uma dos mais apelativos para os leitores não académicos de história), que se lê muito bem (a escrita da autora é simples, direta, descritiva, com muitas citações documentais ilustrativas).
(*) Livro que muito apreciei, que considero uma bela síntese, mas que Isabel Drumond Braga não cita na sua bibliografia.
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