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«Só resta inventar cada um uma biblioteca ideal dos nossos clássicos; e diria que ela teria de ser constituída metade por livros que já lemos e que foram importantes para nós, e metade por livros que nos propomos ler e pressupomos que sejam importantes. E deixando uma secção de lugares vazios para as surpresas, para as descobertas ocasionais.» (in Italo Calvino, Porquê Ler os Clássicos?)
Italo Calvino é um escritor que muito aprecio, conhecendo-lhe relativamente bem a obra romanesca - tanto na sua faceta mais fantástica e (de certo modo) popular (O visconde cortado ao meio, O barão trepador, O cavaleiro inexistente), como na sua faceta mais experimental (As cidades invisíveis, Se numa noite de Inverno um viajante, Palomar). Este Porquê Ler os Clássicos? não é, porém, um romance, mas antes um conjunto de ensaios sobre os "clássicos" de Calvino ao nível da literatura, escritos ao longo da sua vida e reunidos por ordem cronológica de autores.
O primeiro texto, que dá nome ao volume, é um ensaio inteligentíssimo em que se procura definir (sem esgotar o tema - nem há essa pretensão) o que é um "clássico". Daí se podem retirar algumas ideias que, sem nunca as ter formulado, me parecem evidentes: «Os clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer: «Estou a reler...» e nunca «Estou a ler».», «De um clássico toda a releitura é uma leitura de descoberta igual à primeira.», «De um clássico toda a leitura é na realidade uma releitura.» ou «Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer.».
Os restantes trinta e cinco textos abordam obras desde o mundo antigo (greco-romano) à contemporaneidade, passando por algumas obras que, também fazem parte da galeria dos meus clássicos - a monumental Odisseia, de Homero; Cândido, de Voltaire; esse livro absurdamente delicioso chamado Jacques o Fatalista, de Diderot; ou essas singulares Ficções, de J. L. Borges. Outros são livros que tenho registados para leitura futura - é o caso das Metamorfoses, de Ovídio, e de Orlando Furioso, de Aristo. São igualmente tratados (obras de) autores como Xenofonte, Plínio, Galileu, Cyrano de Bergerac, Daniel Dafoe, Stendhal, Balzac, Dickens, Flaubert, Tolstoi, Twain, Henry James, Stevenson, Conrad, Pasternak, Gadda, Montale, Hemingway, Raymond Queneau, para além de contos orientais e de romances de cavalaria, e de autores que desconhecia totalmente como Jerónimo Cerdano, Giammaria Ortes e Francis Ponge. Ainda que estes sejam os autores tratados, a listagem de autores referidos - entre os quais Dante, Shakespeare, Cervantes (Dom Quixote é frequentemente mencionado), Laurence Sterne (nomeadamente o seu Tristran Shandy), Leopardi, Baudelaire, Dostoievski, Potocki, etc, só para citar os que me são mais caros - mostra que o conjunto de "clássicos" de Calvino era bem mais lato.
Então, porquê ler este livro? Muitas vezes gosta-se de algo sem se (procurar) saber porquê. Calvino, de uma forma quase sempre clara, apresenta as suas razões para considerar aqueles autores e obras como clássicos, como indispensáveis na sua biblioteca. Em tempos de efemeridade e de relativismo cultural (em que se não aceitam critérios absolutos para avaliar a bondade do que quer que seja e, simultaneamente, se acha razoável o critério do sucesso de vendas - o que acaba por colocar autores medíocres e superficiais à frente de autores inovadores e com valor literário), ler esta obra de Calvino afigura-se-me uma mais valia. Calvino, para além de nos mostrar a sua paixão pelos livros tratados - os seus "clássicos" -, consegue provocar a nossa curiosidade e vontade de ler. E que vitória maior poderia resultar de tal livro?
Pessoalmente, a leitura deste livro deu-me alento para continuar o meu percurso literário, ainda que consciente que «(...) por mais vastas que possam ser as leituras «de formação» de um indivíduo, fica sempre um enorme número de obras fundamentais que não se leu.»
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