segunda-feira, 8 de setembro de 2014

"Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes

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Publicado em 1941, Esteiros é comummente apontado como uma das principais obras do chamado neorrealismo português. Muitas vezes apontado como um "romance juvenil" (o exemplar que possuo e li pertence a uma coleção sintomaticamente chamada "Grandes Romances da Literatura Juvenil), talvez por retratar o percurso de uns quantos miúdos e pela sua linguagem simples (ainda que contando com alguns regionalismo e termos mais arcaicos), julgo que Esteiros ultrapassa em muito essa designação.
Tendo-o recebido no meu décimo segundo ou décimo terceiro aniversário, numa idade em que basicamente lia histórias de aventuras e banda desenhada, foi um dos primeiros livros "sérios" que terei lido. Recordo-me de o ler numas férias de Verão, agachado nas frescas escadas de pedra da casa dos meus avós, e de sentir algumas dificuldades no vocabulário, que me obrigaram a algumas viagens até ao dicionário. Recordo-me igualmente de sentir-me algo impressionado com a vida árdua dos miúdos (que, então, tinham mais ou menos a minha idade) retratados naquelas páginas...
O regresso a Esteiros não se fez, pois, sem uma certa nostalgia. Longe de achar este livro infantil, tive grande prazer na releitura desta obra. Hoje talvez o impacto emocional seja menor ou, pelo menos, diferente, mas, por outro lado, valorizei mais a componente estritamente literária da mesma. Desde logo, a história é bastante interessante e muito bem escrita, com inteligência e sensibilidade; os capítulos curtos, a estrutura quadripartida (Outono, Inverno, Primavera, Verão), os muitos diálogos e o timbre rústico de certas falas são características compreensivelmente apelativas para jovens leitores, mas, de novo, julgo que o serão para qualquer leitor.
Soeiro Pereira Gomes retrata o percurso de uns quantos miúdos esfarrapados (Gineto, Gaitinhas, Maquineta, entre outros) de uma vila ribatejana situada nas margens ricas em barro do Tejo, forçados pelas circunstâncias a perder a meninice. As constantes dificuldades, ou mesmo a miséria, pontuam a vida dos populares (miúdos e graúdos) retratados em Esteiros; estes têm que se sujeitar a condições de trabalho árduas, precárias (e sazonais), mal remuneradas. Há, assim, nesta obra um esforço claro de denúncia às desigualdades e injustiças sociais da sociedade portuguesa das décadas de 1930 e 40 (a ação desenrola-se, portanto, em pleno Estado Novo), mas também a descrição do atraso do país em termos produtivos.
A meu ver é, pese embora o seu caráter ideológico, uma obra muito consistente e recomendável da literatura portuguesa.

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