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A dissertação de mestrado em História Moderna de Ricardo A. Varela Raimundo, intitulada "Morte vivida e economia da salvação em Torres Novas (1670-1790)", aborda um tema que, para muitas pessoas, poderá ser algo incómodo: a morte - assunto tantas vezes relegado para o domínio do voluntário e perturbado silêncio.
Na peugada da melhor tradição historiográfica (lembrem-se os trabalhos pioneiros de Michel Vovelle e Philippe Ariès), este estudo serve-se de um conjunto de manuais de espiritualidade (que ensinavam os cristãos a "bem morrer", isto é, a preparar-se para esse momento último e consequente além-vida) e de algumas centenas de testamentos, e suporta-se num vasto conjunto de outros estudos (de "caso") tanto nacionais como estrangeiros (a vasta bibliografia - e o seu manifesto domínio - é um dos pontos fortes deste texto), para procurar responder às questões: Como era vivida a morte em Torres Novas dos finais do século XVII até ao século XVIII? De que forma investiam os torrejanos na sua salvação?
Claro que tratar destes assuntos tanatológicos fundamentalmente através de uma fonte - os testamentos - acarreta sempre alguns riscos (há sempre a questão da representatividade da fonte: até que ponto é que os cerca de 700 testamentos estudados são representativos de uma população estimada de 14 mil pessoas?), sobretudo no que toca a algumas conclusões (nos casos em que a documentação de base não permite respostas completamente definitivas, ou as variações detetadas são demasiado ténues). Em todo o caso, na minha ótica, Ricardo Raimundo fez uma boa caracterização da fonte utilizada e dos seus "produtores" (melhor dizendo, dos testadores), bem assim como das motivações destes para testar; posteriormente a esse esforço, procedeu de forma rigorosa à análise de múltiplos aspetos: escolha de intercessores celestes pelos testantes, da mortalha, da sepultura, das características do cortejo fúnebre, das estratégias de interceção pela alma, etc. O discurso é fluído e, ainda que académico, acessível ao público em geral.
Para terminar, devo dizer que achei particularmente interessante o capítulo relativo ao "Discursos sobre a morte", em que se faz uma muito bem conseguida síntese, partindo-se da literatura devota, sobre o "viver para bem morrer"; os aspetos doutrinais - chamemos-lhes assim - que estão por trás da mentalidade vigente nos séculos XVII e XVIII ficam claramente elucidadas nestas páginas.
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