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Há já vários anos que tencionava ler este Moby Dick, mas, por um motivo ou por outro, fui sempre pondo de lado o livro. A história, porque sobejamente conhecida, não poderia ser a motivação para a leitura; já a escrita de Melville, que conheço de Bartleby, o Escrivão e de Billy Budd (que pretendo reler em breve), pelo contrário, era um argumento de peso.
Por fim, há poucas semanas, predispus-me a levar o livro para casa (tomado de uma biblioteca familiar) e a lê-lo quanto antes. A edição que tinha à disposição não prometia muito, mas era a possível. Fui constatando, ao longo das três semanas de leitura, que esta edição, dirigida a um público jovem, estava pejada de gralhas (parece-me mauzinho fazer-se uma tal edição - com, sublinhe-se, a pretensa finalidade de convidar as novas gerações a ler - sem qualquer revisão de texto; bem sei que se trata de uma questão de pura economia, para tornar barato o produto final, mas ainda assim)... Na verdade, pensei em desistir e lançar-me na procura de outra edição, mas, ao embrenhar-me na obra, a vontade de continuar prevaleceu.
Por vezes, quando se fala de Moby Dick com outros leitores vem à tona a ideia preconcebida de se tratar de uma obra de caráter infanto-juvenil, e, portanto, talvez pouco interessante; o facto do enredo ser, à partida, mais ou menos conhecido também não ajuda a despertar o interesse. Porém, quem descarta esta obra, descarta uma escrita magnífica e uma abordagem narrativa, a meu ver, bastante original.
Moby Dick tem um dos mais memoráveis arranques: "Call me Ishmael" (ou "Chamem-me Ismael"); todo o primeiro parágrafo é, aliás, extraordinário. É através do olhar de Ismael, um ex-mestre escola na sua viagem inaugural num navio baleeiro, que o leitor acompanha a tripulação do Pequod, capitaneada pelo obcecado e brutal Ahab, na caça às baleias e na perseguição ao temível cachalote Moby Dick... Mas mais do que este relato, Melville brinda-nos com o seu enciclopedismo: múltiplos são os capítulos sobre as particularidades da caça à baleia, sobre a anatomia dos espécimes caçados, sobre as partes constituintes das embarcações baleeiras, sobre os hábitos da vida marítima, entre outros aspetos. As referências bíblicas (e o uso de termos ligados a esse universo - como seja chamar "leviatã" às baleias) dão um tom especialmente interessante à narrativa.
Há também nesta obra uma vertente documental, que me não parece desprezível, uma vez que retrata uma realidade passada: entretanto, a caça à baleia evoluiu tremendamente, acabando por ser proibida a nível internacional. Curiosamente, Melville, que apenas conhecera a caça tradicional (a matança era feita através de arpões lançados manualmente por pequenas embarcações conexas ao navio principal - longe, portanto, da caça industrial, caracterizada por navios-fábrica equipados com arpões contendo explosivos lançados através de canhões), diz, através do narrador, não acreditar no declínio da baleia em resultado da baleação.
Concluo: considero que Moby Dick é um daqueles clássicos justamente reputados (ainda que - é essa pelo menos a minha impressão - algo menosprezado). Melville, se já era uma referência para mim, muito graças ao seu delicioso Bartleby, o Escrivão, tornou-se um escritor ainda mais estimado. Futuramente, tenciono, se me for possível, explorar outras obras do autor.