quinta-feira, 2 de abril de 2015

"Odisseia", de Homero

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Se dúvidas tivesse, a leitura desta tradução da Odisseia (da responsabilidade de Frederico Lourenço) eliminá-las-ia: trata-se efetivamente de uma obra-prima da literatura. Criada há cerca de três mil anos, esta obra, parafraseando Italo Calvino, está longe de ter acabado «(...) de dizer o que tem a dizer». É uma obra tão imensamente grande e completa, que consegue encantar gerações após gerações de leitores, oriundos dos mais variados contextos culturais, sociais, políticos. Como o tradutor Frederico Lourenço escreve na sua introdução, «A Odisseia homérica é, a seguir à Bíblia, o livro que mais influência terá exercido, ao longo dos tempos, no imaginário ocidental».
Porque é que a Odisseia é uma obra tão completa e fascinante? Talvez porque, como costumo dizer relativamente a outras obras (o Quixote é o caso mais recorrente), tem um pouco de tudo: aventura, amor, drama, ação, reflexão, humanismo, etc. Muitas são as pessoas que partem para este livro pela vertente aventureira - as aventuras de Ulisses no seu regresso à terra natal, Ítaca, após a Guerra de Troia -, e não se desiludem; mas o livro é muito mais do que isso: trata do destino do Homem, da amizade e da fidelidade (quem não conhece a história de Penélope, a mulher de Ulisses, e da sua teia?), da luta pela sobrevivência e da astúcia (no modo como Ulisses guerreia - pense-se no estratagema do Cavalo de Troia - e enfrenta as adversidades e desventuras na sua viagem de regresso), etc.
Um dos aspetos que considero mais modernos desta obra é sua não linearidade - isto é, o poema é pautado por diversos flashbacks (ou analepses, se se preferir) e prolepses (nas previsões do futuro, por exemplo), mas também por ações paralelas (enquanto Telémaco procura o pai, Ulisses encontra-se junto ao rei Alcínoo, contando as suas aventuras - Cantos IX a XII -, na esperança que este o ajude a regressar a casa). Em vários momentos, o texto consegue surpreender, fascinar; a título de exemplo, posso apontar a descrição de uma tempestade no Canto V (Ulisses luta pela vida numa jangada após sair do cativeiro junto a Calipso), a descida ao Hades no Canto XI (em que o protagonista fala com Hércules e Aquiles) ou a extrema violência da matança dos pretendentes no Canto XXII...
Diga-se que, a par da Odisseia li Estudos de História da Cultura Clássica. Vol. I: Cultura Grega, de Maria Helena da Rocha Pereira, leitura que me forneceu, de certo modo, um quadro contextual à obra homérica - ainda que a mesma encerre um caráter intemporal (querendo com isto dizer que podemos lê-la, de certo modo, de modo livre, sem um contexto muito rigoroso). Tal como na introdução de Frederico Lourenço, Rocha Pereira reflete sobre a "questão homérica", isto é, a problemática sobre a autoria - individual (houve de facto um Homero histórico?) ou coletiva - e a construção da obra - oral ou escrita, criada num momento única ou sofrendo sucessivos acrescentos, mutações e deformações; por outro lado, chamou-me a atenção para a delicadeza da tarefa de traduzir as obras homéricas.
A tradução, aliás, a meu ver, contribui enormemente para o prazer da leitura. Frederico Lourenço optou por traduzir em verso livre «(...) cadenciado mas não espartilhado, próximo da literalidade, mas não por ela escravizado», nas palavras da mencionada helenista Maria Helena da Rocha Pereira (constante na contracapa do volume lido). Por outro lado, é uma tradução acessível, não académica (à primeira vista, poderá assustar a ausência de notas de rodapé explicativas de certos pormenores, mas, no geral, as mesmas são dispensáveis, uma vez que o poema se vai explicando a si próprio)
Em breve, lerei a Ilíada, o livro homérico que relata a Guerra de Troia - em termos cronológicos, a ação passa-se no período imediatamente anterior ao tratado na Odisseia - e trata de alguns heróis memoráveis - Aquiles, Agamémnon, Ajax...

2 comentários:

  1. Preciso de ganhar coragem para o ler...

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  2. Ganhe, pois, Seve. Verá que valerá a pena. De momento encontro-me a ler a "Ilíada", na versão do mesmo tradutor. Acho que a tradução é meio caminho para se entrar no espírito. É uma obra-prima da literatura e, garanto-lhe, tem muitos atributos cativantes. Não é, contrariamente ao que já ouvi dizer, um livro difícil, pelo que muito recomendo! Mesmo muito!

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