quarta-feira, 22 de outubro de 2014

"O Romance de Pepe Ansúrez", Gonzalo Torrente Ballester

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Após terminar D. Juan, decidi reler, também de Gonzalo Torrente Ballester, O Romance de Pepe Ansúrez. Mesmo que eventualmente possa não ser uma das melhores obras do autor, esta curta novela acaba por ser - na minha opinião, claro está - uma preciosidade (além do mais, foi através dela que descobri o autor).
Escrita por um octogenário Ballester, esta obra conta uma história simples - de pequenas invejas e mesquinhas intrigas, de maledicências e reputações mas também de literatura... e calcinhas comprometedoramente esquecidas debaixo de poltronas. Quando o poeta e funcionário bancário Pepe Ansúrez comunica renunciar por algum tempo à poesia para se dedicar à escrita de uma romance, a povoação mais que curiosa fica em polvorosa. De que falará o romance do poeta? Promoverá e honrará o autor certos grupos sociais da localidade em detrimento de outros? Meterá o nariz onde não era chamado? Por sua vez, Pedro López, o rival literário de Pepe Ansúrez, decide lançar-se igualmente na escrita romanesca para mostrar como é que um romance se faz...
Um livro tremendamente agradável de ler, com algo de antiquado mas simultaneamente de intemporal...

domingo, 19 de outubro de 2014

"Don Juan", de Gonzalo Torrente Ballester

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Não acho estranho que o senhor ande um pouco aparvalhado; mais ainda, é até razoável. Como se caminhasse por uma estrada e desse de caras, de repente, com dom Quixote. (in Gonzalo Torrente Ballester, Don Juan)
De uma maneira geral, não sou muito adepto da revisitação de personagens ou histórias "clássicas" por autores modernos. Sendo eventualmente uma opção "fácil" para iniciar um romance, o resultado nem sempre é feliz (na maioria dos casos que conheço fica aquém das versões originais). Porém, neste D. Juan, personagem carismática da literatura espanhola (a par de D. Quixote), não posso fazer qualquer juízo comparativo por não te lido a obra de Tirso de Molina (1579-1648), criador do mito don juanino.
O que quanto muito posso dizer é que Ballester escreve de um modo que acho delicioso, pautado por um humor muito característico - algo como uma ironia com qualquer coisa de pícaro (quando, por exemplo, Ballester descreve a vida no Paraíso, Eva desculpa-se com uma dor de cabeça para não fazer amor com Adão...).
Don Juan não é um mero revisitar da história desse personagem, mas antes uma quase brincadeira literária. O narrador, um literato espanhol numa Paris em tempos de devoção a Sartre, tropeça com Leporello, criado de D. Juan - ou talvez com alguém que se faz passar por tal -, que lhe pretende contar a "verdadeira" história do seu amo, ou seja, uma versão que nem os escritores nem os estudiosos e académicos haviam conseguido captar em toda a sua subtileza. O narrador, no entanto, revela ser um cético - tratar-se-á Leporello de um mero farsante?, os seus estranhos procedimentos não serão uma impostura? Tal como Ballester nos "avisa" no prólogo, esta é uma história de contornos fantásticos, em que até entra o diabo. Misturando diversos estilos narrativos, Ballester transporta-nos ao "Siglo de Oro" num divertido (repito a ideia acima escrita) jogo literário.
Havia lido este livro há muitos anos, já mal me lembrando do conteúdo e da forma. A releitura foi uma aposta ganha e a par dela ficou a vontade de, a muito breve prazo, me lançar noutros obras do mestre Ballester.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

"O Herói Discreto", Mario Vargas Llosa

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O Herói Discreto é o último livro publicado por Mario Vargas Llosa. Não sendo um dos romances de Llosa que mais gostei, ainda assim julgo que é um livro muito bem escrito e com uma trama narrativa bem montada.
Nesta obra, o leitor acompanha duas histórias distintas que, perto da conclusão, se cruzam. Por um lado seguimos o percurso de Felícito Yanaqué, um homem de cinquenta anos, dono de uma empresa de transportes, que, de um momento para o outro, vê o curso da sua pacífica vida ser perturbado pela receção de cartas anónimas de extorsão. No entanto, mesmo perante as ameaças de represálias, a perturbadora certeza de lhe conhecerem os passos ou face ao primeiro gesto de violência, Felícito decide não ceder às ameaças e resistir, cumprindo a promessa feita ao seu pai de nunca se deixar pisar... A segunda linha narrativa concentra-se em torno de Rigoberto (sei que o autor escreveu um livro intitulado Os Cadernos De Dom Rigoberto - tratar-se-á do mesmo personagem?), gerente de uma seguradora em vias de se reformar, que se vê envolvido num dédalo judicial referente ao casamento do seu chefe (que entrava a ambição gananciosa dos seus dois filhos); simultaneamente tem que enfrentar a angustiante situação do seu filho Fonchito, que relata ter contacto com um estranho personagem (real?, imaginário?)...
Achei curioso o facto de Llosa ter recorrido uma vez mais ao sargento Lituma, protagonista do seu Lituma nos Andes. Não me espantaram as variadas referências culturais presentes nesta obra, mas também achei interessante (e senti como um convite à leitura) a referência a Doutor Fausto, de Thomas Mann.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

"O Jovem Estaline", de Simon Sebag Montefiore

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Quando há uns anos atrás li Estaline - A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore (obra que retrata o período enquanto líder da União Soviética), fiquei com imensa vontade de ler o livro que o autor dedicou à juventude de Estaline. Os livros do jornalista e historiador não académico Simon Montefiore, dirigidos ao público em geral (interessado mas não especializado), têm a vantagem de ser claros (mesmo que nem sempre chamando a atenção para os espaços em branco não resolvidos), bem escritos e razoavelmente fidedignos (pesem embora, aqui e além, alguns juízos de valor e ideias pré-concebidas - felizmente, na minha leitura não suficientes para desvalorizar-lhe o esforço).
Este livro em particular, premiados várias vezes e bastante bem recebido pela crítica (literária mas também especializada; esta sublinhou que o autor conseguiu trazer à luz do dia alguns aspetos desconhecidos do percurso do ditador), aborda a juventude de Estaline - num conceito alargado de "juventude", porque, de modo mais concreto, este livro aborda aproximadamente os primeiros quarenta anos de vida dessa figura (desde o seu nascimento, em 1878, até à tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, em 1917). Assim, nestas páginas abordam-se os seguintes aspetos: a sua infância na Geórgia (e a questão da sua paternidade duvidosa); a sua entrada na escola e primeiros contactos com o marxismo; a sua passagem pelo seminário e o processo de substituição da fé cristã pelo fervor revolucionário; o seu aprofundamento como revolucionário, as suas primeiras ações junto às massas e a direção de grupos bolcheviques; a passagem à vida subversiva e clandestina e o recurso à ação violenta e mesmo criminosa (participação em assassínios, assaltos a bancos, atos de extorsão, etc.); as várias passagens pela prisão e deportações para a Sibéria e as várias fugas; os contactos com Lenine e o relacionamento (nem sempre pacífico) com vários revolucionários; as ligações amorosas e os filhos legítimos e ilegítimos resultantes dessas relações; a participação na queda do regime czarista e na ascensão dos bolcheviques ao poder.
O "jovem" Estaline é-nos apresentado como uma figura inteligente (com grandes capacidades de organização, bem como de escrita), estudiosa (apaixonado por livros), mas simultaneamente fria, dissimulada, calculista, desconfiada (até à paranoia), conspirativa, vingativa (raramente esqueceu quem o afrontou em algum momento) e, sempre que se lhe afigurava necessário, violenta. A obra de Montefiore permite perceber o contexto em que cresceu aquele que viria a ser Estaline (o "Homem de Aço", traduzido à letra) e o gradual desenvolvimento da sua personalidade e da sua ambição.
Em suma, uma obra que se lê tremendamente bem e bastante informativa; o aspeto menos positivo desta versão "livro de bolso" é, em algumas passagens, a falta das notas bibliográficas, que poderiam ajudar ao esclarecimento da origem de certas citações.