terça-feira, 26 de agosto de 2014

"O Cego de Sevilha", de Robert Wilson

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Depois da intensidade (mas também da complexidade) de Ulisses, de James Joyce, decidi ler algo mais leve: a minha escolha recaiu n' O Cego de Sevilha, de Robert Wilson.
O que posso dizer acerca deste livro? Simplesmente, que não me encantou... Talvez parte do defeito esteja no meu próprio gosto, que tende a olhar mais criticamente os policiais com maiores pretensões romanescas (nas últimas décadas, ao que julgo saber, houve vários autores a tentar elevar o policial ao estatuto de romance, insistindo na qualidade narrativa, da escrita, a par do interesse e intensidade da história).
Nesta obra, o inspetor-chefe da brigada de homicídios de Sevilha tem que investigar as motivações de um assassino múltiplo que, desde a primeira morte, parece obcecado com a ideia de pôr perante a vista de todos (investigadores incluídos) algumas verdades desconhecidas, inquietantes ou mesmo sórdidas do percurso dos assassinados. Ao longo das páginas, vai ficando claro que estes percursos se cruzam perturbadoramente com o do falecido pai do inspetor-chefe, o qual fora um reputado pintor...
O personagem principal é, a meu ver, um dos pontos menos interessantes do livro: o autor caracteriza-o como um homem solitário, ensombrado por fantasmas do passado e a atravessar um período de desequilíbrios emocionais. Suponho que ao caracterizar desta forma o investigador o autor procurou humaniza-lo (mostrando as suas fraquezas, receios, ansiedades); porém, na minha ótica acabou por retirar-lhe carisma. Outro aspeto que me desagradou no livro foram os excertos do diário do pai do investigador. Apesar de pertinentes para a história, acabam por ser algo enfadonhos e tremendamente inverosímeis e demasiado certeiros (isto é, respondem de forma demasiado perfeita às perguntas que vão sendo levantadas) no que narraram...
É certo que não parti com muitas expetativas para a leitura, mas não esperava chegar aos últimos capítulos com tão pouco interesse no desfecho.
[O próximo livro a ler é, também ele, um policial; apenas desejo que seja um pouco mais interessante.]

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

"Ulisses", de James Joyce

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Ao meu pai

Acabo de reler Ulisses, ao fim de um ano da primeira leitura. O que dizer? Que é, de facto, uma obra-prima. Ao ler o texto que escrevi há um ano atrás (siga-se o link), quase nada há a dizer de novo: é um livro de facto inovador, provocador e (há que assumi-lo) algo difícil - mas, por isso mesmo, desafiante, fascinante, inebriante!
Quando li Ulisses pela primeira vez, senti uma dificuldade adicional na tradução de António Houaiss: a tentativa de traduzir o intraduzível, a adaptação forçada de trocadilhos do inglês para português, a construção algo confusa de algumas frases, até mesmo o tom brasileiro do seu português (tanto ao nível da gramática como do vocabulário), entre outros aspetos, tornaram árdua (em especial em certos capítulos de índole mais experimentais) o meu esforço de compreensão. Na altura, saí do livro com uma sensação de fascínio, mas também de impotência no que toca ao entendimento de certos aspetos - sem ter, no entanto, a noção exata do peso da tradução nessa sensação... Na altura estipulei seguir, numa futura releitura, a tradução de João Palma-Ferreira (a única, à época, em português europeu).
Porém, foi editada no final do ano passado uma nova tradução da obra de Joyce, da autoria de Jorge Vaz de Carvalho. Se já estava motivado a revisitar a obra, apesar de a ter lido há relativamente pouco tempo, o aparecimento desta nova tradução (que recebeu algumas críticas favoráveis) fez-me regressar mais cedo que o previsto a Ulisses.
O que dizer, pois, desta nova leitura? Apenas que a tradução faz toda a diferença! A obra torna-se muito, mas mesmo muito mais inteligível. As dificuldades formais da mesma podem manter-se, bem assim como a obscuridade de algumas das suas referências (culturais, históricas, políticas, literárias, etc.), mas o facto de não termos que lutar contra o português já é uma enorme vantagem. A tradução é, assim, fundamental para a compreensão deste livro, sabendo, claro está (e o próprio tradutor o reconheceu numa entrevista que pude seguir na televisão), que na mesma se perdem sempre aspetos do original (mas o que é que isso interessa, se a obra se torna muito mais agradável de ler?).
Para um dos leitores que mais me influenciou (o meu pai), porém, esta tradução chegou algo tarde. A tradução de Houaiss, que era a tinha na sua biblioteca (foi o seu exemplar que li há um ano atrás), constituiu um entrave demasiado grande para levar a cabo a odisseia da sua leitura até ao fim; a tradução de António Houaiss, ao (como agora tão bem percebi) acrescentar obstáculos à compreensão, dificulta a possibilidade de se retirar prazer da obra.
Porque Ulisses, para quem se deixar envolver, é uma obra deliciosa, cheia de pormenores e cultural e intelectualmente rica! Talvez um dia destes a releia, mas sei de antemão que não preciso duma terceira leitura para descobrir o prazer do livro...!

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

"Todo-o-Mundo", de Philip Roth

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Todo-o-Mundo é a meu ver um livro excelente, mesmo podendo não ser um dos melhores do americano Philip Roth. Trata-se de um livro curto, com uma história simples, mas ainda assim exemplar no que diz respeito à arte de narrar. A escrita de Roth é irrepreensível, parecendo simples - mas, como é sabido, a simplicidade frequentemente implica mestria.
Neste livro, Roth prenda-nos com uma reflexão sobre a extinção - ou, passe a redundância, sobre a morte -, destino reservado a todo o homem (Everyman é o título desta obra na língua original - julgo que a tradução do título não consegue abranger a acuidade do termo inglês). Significativamente a história inicia-se com o funeral do protagonista que, por coincidência ou não, nasceu no mesmo ano que o autor, 1933 (o que talvez permita extrapolar as preocupações do autor, com setenta e poucos anos à data da escrita do romance).
Ao longo das páginas de Todo-o-Mundo, o leitor segue o percurso de vida do defunto, pontuada (como todas) por doenças, hospitalizações, intervenções cirúrgicas, mortes de pessoas próximas. Alicerçadas nestes episódios, as vicissitudes da biografia do protagonista: a infância, o negócio paterno, a relação com o pai e com o irmão, os vários casamentos e divórcios, a carreira profissional e, finalmente, a reforma... A vida é-nos revelada na sua crueza (e finitude), feita de acasos, perigos e opções; e, à custa de opções eventualmente mal calculadas, o protagonista tem que se confrontar com os seus fracassos (mesmo que isso signifique auto-recriminação), com a sua velhice (com a deterioração física, com a solidão...) e com essa estranha mas fatal tendência de aproximação entre a biografia pessoal e a biografia médica, ao ponto de as doenças, os medicamentos, os tratamentos e os óbitos se tornarem temas frequentes de conversa. Certeiro? Sim, seguramente - mas, sobretudo, humano.
 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

"Contos de São Petersburgo", de Nikolai Gogol

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É sempre para mim um prazer regressar à escrita de Gogol. Neste volume pude reler alguns dos contos que mais aprecio do autor (arriscaria dizer que alguns constam, conjuntamente com o seu romance inacabado Almas Mortas - obra que talvez não tarde a reler -, no conjunto das suas obras mais brilhantes): O Nariz, O Capote ou O Retrato. Como fica explicitado na introdução, apenas A Caleche não é exatamente um "conto de São Petersburgo", uma vez que a ação não se desenrola nessa cidade; por outro lado, em Avenida Névski a cidade é a personagem principal nas primeiras páginas (é delicioso a acuidade com que Gogol descreve a sociedade que frequentava aquela artéria, os seus tiques, indumentárias, penteados e até bigodes, etc.).
Na escrita de Gogol há sempre um toque de fantástico, de estranho, de absurdo (não pude deixar de, ao ler O Nariz, encontrar semelhanças com a ambiência inicial de A Metamorfose, de Kafka - o absurdo da situação chega da mesma forma, inesperadamente, sem razão aparente); há também um inconfundível humor, pleno de sarcasmos e de sátira social (Gogol, por exemplo, não se inibe de apontar os maneirismos e servilismos do funcionarismo russo, mas também a insignificância e a pobreza dos pequenos funcionários), de remoques às modas e estéticas (nomeadamente as literárias - a existência de comentários metaliterários são, aliás, um aspeto extremamente moderno na sua escrita), de sentido de ridículo e de acusação à mesquinhez e à sobranceria, mas também - ainda que não muito marcadamente - às desigualdades sociais.
Agradou-me relembrar O Capote, talvez a primeira coisa que li do autor. O personagem principal deste conto é um pequeno funcionário cujo capote está num estado tão miserável que já não possibilita qualquer remendo; o rigor do inverno de São Petersburgo obriga-o, com muito sacrifício, a comprar um novo agasalho... Relativamente a O Nariz, lembrava-me bem do enredo: o protagonista, caracterizado como uma pessoa com o nariz empinado (neste caso, cioso do seu título hierárquico no funcionalismo e do respetivo estatuto), acorda sem nariz (!), reconhecendo-o na rua, vestido com o uniforme de conselheiro de Estado... O nonsense, como facilmente se percebe, predomina nesta história. Por sua vez, O Retrato é acima de tudo um conto fantástico: o olhar penetrante de um retrato parece ter um estranho e nefasto efeito sobre os seus detentores. O último conto que falta referir é Diário de um Louco - um relato diarístico delirante, pautado pelo humor.
Uma coletânea que merece, pois, ser lida. Gogol é um autor absolutamente delicioso, e a sua escrita única; julgo ser fácil perceber porque é colocado no panteão dos grandes autores russos, ao lado de Dostoievski, Tosltoi, Pushkin...

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

"O fogo e outros utensílios da luz", de José Rui Teixeira

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Acabo de ler O fogo e outros utensílios da luz, livro que, ao longo das suas páginas, me fez refletir (ainda que talvez de uma forma muito primária) sobre as mil possibilidades da poesia. Nem que fosse por isso, valeu a pena a passagem por esta obra.
José Rui Teixeira, poeta que conheço (ainda que não muito profundamente) de outros livros, utiliza uma linguagem carregada, pesada - não num sentido negativo, antes num sentido potencialmente metafísico. Deus, morte, mulher são palavras que se repetem, num livro em que entendo predominar uma tonalidade de desolação, de ruína.
Os contornos da poesia presente nestas páginas são, para mim que não sou um crítico literário (e muito menos um crítico literários de poesia), esquivos, herméticos, o que está longe de constituir menoridade (antes pelo contrário, talvez). Assim, alguns poemas constituem-se de palavras ou expressões fortes, densas, tais como "turbulência teológica" ou "suportes ontológicos subjacentes à perplexidade"...

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

"Obra Poética - Vol. 1", de Jorge Luis Borges

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Borges, como tantas vezes concluo, é um autor que me fascina. Será uma das (entre tantas) minhas referências literárias - muito graças às suas Ficções, que de quando em quando tenho que reler.
Há uns bons anos atrás aventurei-me na sua poesia. Requisitei, assim, na biblioteca pública um grosso e pesado volume (o primeiro de uma coleção das obras completas do autor) que pouco ajudava ao recato e prazer deste (muito específico) leitor de poesia. Terei lido, talvez, O Fervor de Buenos Aires de forma completa; depois, tomado pelo desânimo (e, devo admiti-lo, não muito encantado), desisti de continuar.
Este regresso à poesia de Jorge Luis Borges foi mais feliz. O primeiro volume da sua obra poética reúne somente três livros: o já referido O Fervor de Buenos Aires (originalmente publicado em 1923), Lua Defronte (de 1925) e Caderno San Martín (de 1929), que correspondem à primeira fase poética do autor (Borges só regressaria à poesia na década de 1960).
Não arriscarei a escrever uma parágrafo sobre a sua poesia. Apenas direi que Buenos Aires está muito presente nos poemas deste volume, o que, de certa forma, retira alguma graça ao leitor que, como eu, desconhece os cenários que os inspiraram. Mas, ainda assim, esta abordagem à poesia do autor alimentou a minha curiosidade, podendo dizer que esperarei pela oportunidade de ler o segundo volume da obra poética.