quinta-feira, 16 de abril de 2015

"Um Homem: Klaus Klump / A Máquina de Joseph Walser", de Gonçalo M. Tavares

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Gonçalo M. Tavares é, para mim, um dos mais interessantes autores portugueses da atualidade, sendo certo que umas obras têm para mim mais interesse do que outras (o que é perfeitamente natural, se virmos bem - mas a ressalva é necessária quando a produção deste autor é verdadeiramente avassaladora). Acho a sua escrita, a sua lógica (um tanto ao quanto tautológica ou poética, o que já tem gerado anticorpos em alguns leitores), os seus piscares de olho constantes ao cânone cultural do Ocidente (são imensas as referências, nem sempre diretas e óbvias, que Tavares faz a outros escritores, filósofos, obras, personagens, cenários, etc. - por exemplo, como não evocar Robert Walser ao ler as peripécias do seu personagem Joseph Walser, ou evocar o personagem ulissiano de Joyce através do protagonista de Uma Viagem à Índia?), verdadeiramente original, com muitos pontos de interesse.
Um Homem: Klaus Klump e A máquina de Joseph Walser são dois romances umbilicalmente ligados (os dois primeiros volume da algo sombria tetralogia "O Reino"), na medida em que a ação decorre no mesmo espaço (uma mesma cidade - não nomeada - de ruas com nomes germânicos, tal como, aliás, acontece com os nomes dos personagens dos quatro romances) e tempo (um tempo de ocupação territorial e de guerra, mas também de atos de resistência, de cooperação ou não envolvimento, a fazer lembrar vagamente o ambiente da Segunda Guerra Mundial).
Em Um Homem: Klaus Klump acompanhamos um pacato editor que, perante as violências da ocupação, se torna resistente. A violência, mas também o poder, são, pois abordados por Tavares num estilo que parece simples (embora permita várias leituras no entrelinhado) e, de certo modo, hiperbólico na abordagem da realidade (os conceitos subjacentes são intensos, fortes, quase absolutos), mas também de absurdo (e há nas páginas deste romance, e talvez noutros mais da mesma tetralogia, qualquer coisa de kafkiano) - é esta simbiose, de certo modo, que lhe graça. Já em A máquina de Joseph Walser acompanhamos a vida de um operário, pouco falador e empático, metódico e rotineiro, alheado da guerra que o rodeia, colecionador de inúteis peças metálicas. O seu mundo, porém, desorganiza-se quando sofre um acidente (que o afasta do seu tão amado posto de trabalho, como operário de uma complexa máquina) ou quando toma conhecimento da perigosa participação de conhecidos seus em atos de resistência. Nos monólogos do seu chefe, Klober Muller, se leem algumas das ideias mais fortes da obra. Julgo ser esta segunda obra mais conseguida que a primeira, isto é, mais sólida em termos puramente romanescos.
Em suma, duas obras que considero bastante interessantes, sendo certo que, na minha opinião, os dois romances que o sucedem - Jerusalém e Aprender a Rezar na Era da Técnica, são obras maiores.

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