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GUERRA É PAZ / LIBERDADE É ESCRAVIDÃO / IGNORÂNCIA É FORÇA (in 1984, G. Orwell)
Publicado em 1949, 1984 é um livro icónico: nele George Orwell captou milimetricamente os principais tiques das sociedade totalitárias suas contemporâneas (não sendo, portanto, de admirar a referência aos casos nazi e soviético): o controlo total da sociedade pelo Partido (detentor absoluto do Poder e da Verdade - e, por consequência, da vida de cada um); a inexistência das liberdades básicas e a de despersonificação total do indivíduo (o pensamento individual e crítico e a sua expressão são condenados; pretende-se que cada um seja submisso e manipulável); a propaganda e o controlo da informação (impossível de verificar pela inexistência de liberdade); a doutrinação dos mais jovens (os mais cegos seguidores do Partido, condicionados desde cedo à observância e defesa dos princípios doutrinários); o fomento do ódio direcionado (contra os "inimigos", mas também contra todo e qualquer - por mínimo que seja - sinal de heterodoxia); etc.
Na realidade concebida por Orwell os ministérios tomam nomes curiosos: os assuntos económicos são da responsabilidade do Ministério da Riqueza (mesmo que a maioria da população seja propositadamente mantida na pobreza); a guerra é controlada pelo Ministério da Paz (!); o Ministério da Verdade trata da propaganda (uma mentira repetida muitas vezes...); o policiamento e a vigilância são tutelados pelo Ministério do Amor (e pela sua Polícia do Pensamento).
Devo dizer que achei particularmente inquietante é a ideia de falsificação e manipulação da história («Quem controla o passado», dizia a palavra de ordem do Partido, «controla o futuro»; quem controla o presente controla o passado»): se o país está agora em guerra com outro, significa que sempre com ele esteve em guerra (pelo que urge "corrigir" todos os documentos em que se diga o contrário). É uma ideia particularmente perturbadora, se tivermos em conta certos episódios da história do século XX (em que se tentou destruir os indícios para impossibilitar ou falsificar a história...). Igualmente inquietante a ideia dos filhos aprenderem a vigiar os pais - e mesmo, pela fragilização dos laços afetivos, a denunciá-los como heterodoxos...
1984 é a mais sistemática e perturbadora de todas as distopias que já li - recordo, por exemplo, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1932), ou Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1953). Esta obra pode ter uma leitura mais contemporânea (aumentando assim a perturbação): pense-se na facilidade de se forjar falsificações na Internet (seja atribuindo poemas literariamente medíocres e de autoajuda a um poeta como Fernando Pessoa, seja reinventando ou simplificando interpretativamente a história num artigo de uma enciclopédia online, ou inventando as mais fantasiosas teorias da conspiração) ou nas possibilidades de "vigilância" constante a que nos sujeitamos (quer pelo que publicamos nas redes sociais, pelo rasto informático que deixamos, pelas câmaras que nos filmam nos locais mais díspares, etc.)...