sexta-feira, 23 de agosto de 2013

"1984", de George Orwell

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GUERRA É PAZ / LIBERDADE É ESCRAVIDÃO / IGNORÂNCIA É FORÇA (in 1984, G. Orwell)

Publicado em 1949, 1984 é um livro icónico: nele George Orwell captou milimetricamente os principais tiques das sociedade totalitárias suas contemporâneas (não sendo, portanto, de admirar a referência aos casos nazi e soviético): o controlo total da sociedade pelo Partido (detentor absoluto do Poder e da Verdade - e, por consequência, da vida de cada um); a inexistência das liberdades básicas e a de despersonificação total do indivíduo (o pensamento individual e crítico e a sua expressão são condenados; pretende-se que cada um seja submisso e manipulável); a propaganda e o controlo da informação (impossível de verificar pela inexistência de liberdade); a doutrinação dos mais jovens (os mais cegos seguidores do Partido, condicionados desde cedo à observância e defesa dos princípios doutrinários); o fomento do ódio direcionado (contra os "inimigos", mas também contra todo e qualquer - por mínimo que seja - sinal de heterodoxia); etc.
Na realidade concebida por Orwell os ministérios tomam nomes curiosos: os assuntos económicos são da responsabilidade do Ministério da Riqueza (mesmo que a maioria da população seja propositadamente mantida na pobreza); a guerra é controlada pelo Ministério da Paz (!); o Ministério da Verdade trata da propaganda (uma mentira repetida muitas vezes...); o policiamento e a vigilância são tutelados pelo Ministério do Amor (e pela sua Polícia do Pensamento).
Devo dizer que achei particularmente inquietante é a ideia de falsificação e manipulação da história («Quem controla o passado», dizia a palavra de ordem do Partido, «controla o futuro»; quem controla o presente controla o passado»): se o país está agora em guerra com outro, significa que sempre com ele esteve em guerra (pelo que urge "corrigir" todos os documentos em que se diga o contrário). É uma ideia particularmente perturbadora, se tivermos em conta certos episódios da história do século XX (em que se tentou destruir os indícios para impossibilitar ou falsificar a história...). Igualmente inquietante a ideia dos filhos aprenderem a vigiar os pais - e mesmo, pela fragilização dos laços afetivos, a denunciá-los como heterodoxos...
1984 é a mais sistemática e perturbadora de todas as distopias que já li - recordo, por exemplo, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1932), ou Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1953). Esta obra pode ter uma leitura mais contemporânea (aumentando assim a perturbação): pense-se na facilidade de se forjar falsificações na Internet (seja atribuindo poemas literariamente medíocres e de autoajuda a um poeta como Fernando Pessoa, seja reinventando ou simplificando interpretativamente a história num artigo de uma enciclopédia online, ou inventando as mais fantasiosas teorias da conspiração) ou nas possibilidades de "vigilância" constante a que nos sujeitamos (quer pelo que publicamos nas redes sociais, pelo rasto informático que deixamos, pelas câmaras que nos filmam nos locais mais díspares, etc.)...

sábado, 17 de agosto de 2013

"Retrato do Artista Quando Jovem", de James Joyce

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Publicado originalmente entre 1914 e 1915, Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce, trata do percurso de busca e formação de identidade de Stephen (ou Estevão, na tradução lida) Dedalus – personagem que aparecerá na obra maior do autor, Ulisses, recentemente lido.
Assim, ao longo das páginas desta obra acompanhamos a infância, adolescência e a entrada na vida adulta de Stephen, educado em instituições jesuítas. Paralelamente à evolução da escrita de capítulo para capítulo (em crescendo), o leitor é confrontado com o desenvolvimento e amadurecimento do personagem principal, tanto a nível moral como intelectual, tendo como pano de fundo todo o ideário tradicional católico (leiam-se, por exemplo, os excertos extremamente escolásticos sobre as consequências infernais do pecado). À queda do personagem principal segue-se o sentimento de culpa e o medo (fortemente interiorizados ao longo dos anos); à expiação segue-se a consciencialização do caráter artificial (e eventualmente vazio, mecânico) do ritual; por fim, à indiferença segue-se a libertação mas também a descrença (não só na religião, mas em valores com a família ou a nação – num contexto, atente-se, de luta pela independência irlandesa), a desilusão e consequentemente a solidão (do artista).
Retrato do Artista Quando Jovem fez-me lembrar, em certas passagens e por diversos motivos, outros livros – O Jovem Törless, de Robert Musil (pelo ambiente colegial em que a ação decorre); O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz (pela discussão sobre o papel tradicional da religião católica (e seus agentes) na sociedade de finais do século XIX, inícios do século XX); Crime e Castigo, de Fedor Dostoievski (sobretudo em certos momentos de matiz mais psicológica, em que pecado e culpa são os motores da narrativa).
Tendo gostado bastante deste livro, tenho que dizer que, embora bem articulado com os restantes (em termos da lógica da história), achei faltar alguma intensidade ao último capítulo. Ainda assim, o Stephen que vemos formado no último capítulo é congruente com o que acompanhamos em Ulisses.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

"Pena Capital", de Mário Cesariny

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"Pena Capital", de Mário Cesariny, para muitos considerado o melhor livro do poeta, reúne textos escritos entre 1948 e 1976 (à exceção de um curto poema de 1942). Não sei avaliar se se trata do melhor livro do autor, mas seguramente é um dos que prefiro.
De novo, tal como em "Nobilíssima Visão", o humor e a ironia (caracterizados pela blague e jogos de palavras), conjugados com um nonsense de tonalidade surrealista, são constantes no conjuntos de poemas deste livro. Notória é também a faceta de polemista de Cesaniny (que talvez chegue a tocar o escárnio e maldizer) de alguns dos seus poemas.
Um livro que, contendo alguns poemas (já) clássicos da poesia portuguesa, se lê com muito agrado - direi mesmo (e que melhor elogio a um livro?) que consegue surpreender o leitor a cada releitura...

domingo, 11 de agosto de 2013

"Na Penúria em Paris e em Londres", de George Orwell

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Em "Na Penúria em Paris e em Londres", George Orwell descreve a pobreza (a luta por um trabalho - mesmo que pesado e mal remunerado -, por alimentos, por um abrigo para passar a noite), conjugando um tom documental com a ficção literária. Certo é que nos anos anteriores à publicação deste livro (1933), o autor britânico contactou com o mundo dos pobres, dos vagabundos, dos miseráveis - pelo que alguns dos episódios descritos possam ter sido efetivamente vivenciados. Talvez isso explique a visão extremamente humanista do relato (que alterna episódios comoventes e momentos de um certo humor), que faz eco das preocupações e anseios diários de quem pouco ou nada de seu possui, sem fazer juízos apressados.
O seu caráter narrativo (que por vezes se aproxima da reportagem ou até do livro de viagens) torna a leitura desta obra bastante simples (talvez até, devo dizê-lo, um pouco simples demais); julgo que, apesar de lhe reconhecer um certo interesse, literariamente não é dos livros mais conseguidos do autor. Em breve, planeio reler "1984".

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

"Pensar o Século XX", de Tony Judt (com Timothy Snyder)

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«Este livro é história, biografia e tratado ético», escreveu Timothy Snyder na primeira linha do prefácio de "Pensar o Século XX".
Na realidade, esta obra reflete uma "longa conversa" ocorrida entre Tony Judt (autor de "Pós-Guerra") e Timothy Snyder. Assim que este se apercebeu que a doença degenerativa de Tony Judt (esclerose lateral amiotrófica) lhe retirara a capacidade de fazer uso das mãos e, portanto, de escrever, lançou-se neste projeto.
Ao longo das suas páginas, os dois historiadores discutem vários temas de história do século XX (os intelectuais, o comunismo e os fascismos, as duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a social-democracia, etc.) mas também da atualidade (nomeadamente alguns aspetos da política americana), e refletem sobre a história enquanto domínio do saber. Achei bastante interessantes os apontamentos autobiográficos de Tony Judt no início de cada capítulo: aí o autor fala do seu percurso formativo, da sua entrada na vida académica, da evolução do seu pensamento e dos seus interesses historiográficos.
Procurarei, quando me for possível, ler "Pós-Guerra"...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

"A faca não corta o fogo", de Herberto Helder

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Depois do último livro de Herberto Helder, decidi reler-lhe a restante obra. Iniciei essa tarefa pelo início (através de "Ou o Poema Contínuo" - em leitura) mas simultaneamente pelo fim (por via de "A faca não corta o fogo" - hoje terminado). Este último livro, além das dezenas de poemas inéditos, inclui uma "súmula" - uma escolha de poemas do conjunto da obra herbertiana (poemas que, diga-se, valem por eles mesmos, fora dos seus contextos ou sequências originais). Uma obra que, pela força da poesia do autor, vale mesmo a pena ler.