terça-feira, 27 de dezembro de 2016

"Viagens na Minha Terra", de Almeida Garrett

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Há mais de vinte anos li e estudei esta emblemática obra da literatura nacional nos bancos da escola. Se gostei? Não posso dizer que me desagradou, uma vez que, ao contrário de vários colegas de estudo, não optei por atalhar caminho e ler uns (na altura) muito populares livrinhos de síntese amarelos e pretos; Interessou-me o suficiente para ler na íntegra, não me limitando aos trechos abordados nas aulas; mas gostar-gostar... bem, na verdade não me recordo. Seguro é que, até há pouco tempo (mais concretamente até à releitura de Frei Luís de Sousa), não senti vontade de regressar a tal obra.
Eis-me agora, finalmente, de regresso a este clássico. E, em boa hora o faço: a minha cultura literária, entretanto, é um pouco mais profunda, o que, julgo, me permite desfrutar um pouco mais profundamente de algumas das faces desta obra. Desde logo, o piscar de olhos a Tristram Shandy (diretamente citado - e nomeadamente a sua página preta), obra-prima que pude conhecer este ano (e que me remete igualmente para o meu querido Brás Cubas); encontro pontos em comum não exatamente no tipo de humor (desestabilizador, provocador em Sterne), mas no tom por vezes digressivo de Garrett (com os seus apartes, comentários dirigidos ao leitor, etc. - muito mais moderados no autor português, é certo). A referência inicial às Viagens em Volta do Meu Quarto, de Xavier de Maistre, vai ao encontro de um interesse meu: eis uma obra que tenho assinalada e que pretendo, se me for possível, ler.
Tendo o autor decidido fazer uma viagem até Santarém, entretém-se a descrever com bastante graça e interesse esse seu empreendimento. Às portas do seu destino entra-se na história de Joaninha e de Carlos - e aqui há algo que se altera na obra, que passa a seguir esta novelinha ("simples e singela", nas palavras do autor, ao que este leitor acrescentaria "bacoca"). Uma historinha da carochinha, num contexto interessante mas não inteiramente aproveitado (as guerras liberais), em que não falta a avozinha coitadinha, os rouxinóis que velam o sono de Joaninha, os atos de renúncia por amor, etc., etc., etc. (perdoem-me os eventuais leitores deste texto, mas não consegui evitar chegar ao terceiro etecetera). Literariamente, não posso dizer que me encanta a novela, nem o esforço literário de, recorrendo a metáforas e adjetivos, enriquecer o drama umbilicalmente piegas...
Consigo, assim, encontrar dois tons na escrita de Garrett: um mais aristocrático, requintado, culto, fresco com uma certa ironia (a citação em grego para, como se declara, mostrar erudição) e até mesmo uma capacidade de autocrítica, nos capítulos dedicados à viagem mas também às suas reflexões; outro mais popular, limitado e diretamente romântico nos capítulos novelescos (um estilo, devo dizer, que me parece bem mais redondo, ou mesmo mais vulgar, visível, por exemplo, no abuso de alguns lugares-comuns do Romantismo).
Em suma, pesem embora os pontos que me agradaram menos, Viagens na Minha Terra é inegavelmente uma obra curiosa no panorama nacional.

(2016: balanço de um ano de leituras)

À partida, o presente ano afigurava-se mais complicado relativamente ao tempo disponível para ler: era quase certo que o volume de leituras seria menor. Assim, de facto, aconteceu, sem que, no entanto, se fizessem piores leituras.Optei por ler alguns livros mais "leves" (e curtos) - dentro do policial, do suspense, da espionagem -, mas não deixei de ler o que bem me apeteceu.
Dito isto, fazendo o destaque do melhor que li, começo referir as releituras mais estimulantes: Morte em Veneza, de Thomas Mann, Clepsidra, de Camilo Pessanha e Billy Budd, de Herman Melville. Neste conjuntinho vão, de certo maneira, três pérolas da literatura.
Ao nível das grandes descobertas, há dois livros: A Vida e Opiniões de Tristram Shandy, de Laurence Sterne, e Moby Dick, de Herman Melville. Sendo dois livros muito diferentes, fiquei com vontade de voltar a eles - por motivos também eles muito diferentes - mal os terminei. O primeiro é um livro marcante pelo que tem de dadaísmo, de nonsense, de pós-modernidade; o segundo pela excelência da escrita, pelas múltiplas referências culturais.
Também gostei bastante de ler A Montanha Mágica, de Thomas Mann, Herzog, de Saul Bellow e O Ruído do Tempo, de Julian Barnes (que acabei por reler cerca de um mês após a primeira leitura).
Fora do romanesco, refiro dois livros: KL - A História dos Campos de Concentração Nazis, de Nikolaus Wachsmann, uma obra historiográfica absolutamente notável sobre um dos temas a que recorrentemente regresso; e O Valor da Arte, de José Carlos Pereira, pequeno ensaio que aborda de forma inteligente, culta, sofisticada uma questão que, enquanto interessado por arte contemporânea, me intriga.

sábado, 10 de dezembro de 2016

"Terra de Neve", de Yasunari Kawabata

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Julgava já ter lido alguma coisa de Kawabata, talvez mesmo este livro. Porém, depois de percorridas as primeiras páginas, conclui que afinal nunca lera Terra de Neve; e, após consultar os meus registos, constatei com surpresa que nunca lera nada do autor japonês.
Ainda assim, estranhamente, tinha uma ideia sobre algumas características da sua escrita (terei retido algumas palavras lidas ou as observações sugestivas de algum leitor conhecido?): delicadeza e subtileza; a leitura confirmou estas duas características (que me remeteram, de certa forma, para os haikus), e acrescentou outra: limpidez. Os contornos deste Terra de Neve, que se desenrola em torno da relação entre dois personagens (o urbano Shimamura, de visita ao norte, e a Komako, uma vulnerável gueixa), são algo vaporosos, o que, neste caso, é uma característica muito positiva. Este é, pois, um livro absolutamente recomendável, muito belo, humano.

domingo, 4 de dezembro de 2016

"O espião que saiu do frio", de John Le Carré

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Ultimamente tenho feito leituras mais ligeiras, em certa medida ditadas pela menor disponibilidade de tempo para ler; assim, tenho visitado mais frequentemente policiais ou similares (Simenon, Montalbán ou Greene).
Desta vez lancei-me na leitura de um "clássico" dos livros de espionagem: O espião que saiu do frio, de John Le Carré. Não sendo um leitor assíduo deste tipo de literatura, posso dizer que fiquei bem impressionado com esta obra. A história, que se desenrola em torno de Thomas Leamas, um agente secreto britânico, desenrola-se em plena Guerra Fria, no contexto da Alemanha dividida. Carré aborda as dinâmicas inerentes aos serviços espionagem e contraespionagem das potências oponentes, bem como as estratégias de infiltração, contrainformação e instrumentalização dos agentes.
Senti-me convidado a retornar a este autor.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

"O Terceiro Homem / O Ídolo Caído", de Graham Greene

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Antes deste O Terceiro Homem, nunca lera nada de Graham Greene. Era um daqueles muitos autores que conhecia genericamente (como autor de policiais e livros de espionagem, nomeadamente O Cônsul Honorário ou O Americano Tranquilo).
Não posso dizer que tenha ficado totalmente rendido à sua escrita com esta primeira leitura: achei o enredo de tons policiais de O Terceiro Homem um pouco simples demais; ainda assim, é inegável que se lê bem e com agrado, tendo alguns aspetos que prenderam o meu interesse: desde logo, o facto de se passar numa Viena arruinada pela 2ª Guerra Mundial (e ocupada pelas quatro potências vencedoras); depois por alguns aspetos do caráter do personagem principal, Rollo Martins, escritor de histórias ligeiras sobre o faroeste (sob o pseudónimo Buck Dexter) e pouco conhecedor da literatura mais "séria" (como Graham Greene nos faz ver numa humorística descrição de um encontro literário para o qual, passando por ser outro autor foi arrastado)...
Chegado a Viena para visitar o seu amigo Harry Lane, Rollo cedo descobre que aquele morrera atropelado em estranhas circunstâncias (tratar-se-ia de um assassinato?); instigado pelas suspeitas da polícia, segundo as quais Harry estaria envolvido em atividades ilícitas e nocivas para a saúde pública, Rollo lança-se numa investigação pessoal para perceber o que realmente se havia passado.
Não sei se conheço a versão cinematográfica de Orson Welles, mas fiquei curioso por descobrir/redescobrir (?) o filme; tendo em conta o realizador, é possível que o enredo ganhe alguma intensidade.
A segunda história do volume lido, O Ídolo Caído, centra-se na figura de um miúdo de sete anos, Philippe, quem durante as férias dos pais, fica em casa com o mordomo e sua mulher, acabando por se enredar involuntariamente nas confusões dos adultos. Trata-se de uma história curta mas bastante curiosa.