sábado, 31 de maio de 2014

"Gente Pobre", de Fedor Dostoievski

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Gente Pobre, longe de ser a melhor de Dostoievski, é uma obra muitíssimo boa - julgo que posso dizer que a sua leitura constituiu uma (semi) surpresa (escrevi semi, pois, até à data, não li uma única obra do autor que fosse desprovida de interesse).
Publicado quando Dostoievski contava com 25 anos (trata-se do seu livro de estreia), é já possível reconhecer neste romance epistolar (o leitor acompanha a correspondência entre um funcionário de meia idade e uma jovem costureira e, através das suas palavras, entra pelos percursos de vida de cada um, seus sentimentos, suas dificuldades) uma das características fundamentais da sua escrita: a sua profundidade psicológica. É certo que Gente Pobre trata precisamente de "gente pobre" - ou, posto de outra forma, das condições de vida dos estratos inferiores da população urbana russa de meados do século XIX -, o que lhe valeu o apodo de "romance social".
Um aspeto que achei bastante curioso é a citação de "O Capote", de Gogol - uma pérola da literatura russa que muito em breve relerei. Numa carta enviada a Varvara Alekséevna, Makar Dévechkin refere-se incomodado com esta história, por achar (despudoradamente) nela refletidos alguns aspetos da sua própria vida de pequeno funcionário...

sábado, 10 de maio de 2014

"Mystic River", de Dennis Lehane

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Ler o romance que está na origem de um grande filme é sempre arriscado; o mesmo, talvez ainda com mais propriedade, se pode dizer do contrário: normalmente, as adaptações cinematográficas das grandes obras da literatura – ou até uma obra literária não tão marcante – ficam aquém da obra original. Mas, como em tudo na vida, são muitos os exemplos de boas adaptações cinematográficas de obras-primas literárias (penso, por exemplo, em O Leopardo, excelente filme de Luchino Visconti que parte do igualmente soberbo romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa; penso n’O Processo, realizado por Orson Welles, que, mesmo não tão marcante quanto o livro de Kafka, consegue ainda assim ser bastante apelativo), e de livros apenas bons ou razoáveis que deram origem a obras-primas da chamada sétima arte (penso, neste caso, na adaptação fílmica feita por Visconti do livro A Morte em Veneza, de Thomas Mann).
Feitas estas considerações, posso dizer que parti para a leitura de Mystic River, de Dennis Lehane, com aquela desconfiança de quem sabe ser difícil ultrapassar a excelência do filme (isto porque considero a obra realizada por Clint Eastwood um dos últimos grandes “clássicos” de Hollywood – não me perderei, neste ponto, a justificar esta minha convicção). Porém, o livro acabou por agradar-me (ainda que considere o filme superior), justificando plenamente a leitura.
A história centra-se no assassinato de Katie, filha de Jimmy Marcus (um homem com um passado no crime, ainda que reabilitado), e na investigação policial levada a cabo pelo seu amigo de infância Sean Devine. Outro personagem relevante é Dave Boyle, perseguido por um episódio do seu passado – Dave fora levado por dois abusadores sexuais, momento testemunhado pelos seus amigos Jimmy e Sean…
Dennis Lehane tem uma escrita muito impressiva, visual (direi mesmo cinematográfica), e sobretudo centrada na ação (os diálogos são frequentes, bem com a descrição do agir dos personagens), embora consiga ser feliz – realista, intenso – nas passagens de maior densidade psicológica (o processo de luto de Jimmy, a dor profunda de Dave, etc.). Devo dizer que esta realidade psicológica (compreensivelmente tratada no romance de modo distinto do filme – a descrição de estados psicológicos é mais difícil de trabalhar no cinema) me fez valorizar ainda mais o trabalho de Clint Eastwood.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

"Territórios de Caça", de Luís Naves

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Este livro chegou-me às mãos por casualidade; até há uns dias, o seu autor - Luís Naves - era-me completamente desconhecido. Assim, parti para Territórios de Caça sem qualquer referência.
A ação deste livro desenvolve-se numa Hungria ainda povoada por alguns fantasmas do seu recente passado comunista. O narrador, escritor menor em processo de crise chamado Lajos Kormánys (tradução livre do nome do autor), cruza-se (acidentalmente?) com István Fárkas, um homem que parece ter algo sensível para revelar sobre o seu próprio passado... Mas o que haverá para além da verdade revelada? Na história que nos apresenta Luís Naves, as ideias de bem e de mal - mas também de traição, manipulação ou jogo - entrelaçam-se de uma forma inteligente.
Em suma, posso dizer que, mesmo reconhecendo não ser um livro excecional, Territórios de Caça acabou por constituir uma agradável surpresa. Uma escrita escorreita, uma história bem construída, ainda que não muito complexa, e um final que não responde a todas as questões, acabam por ser alguns dos aspetos que me agradaram neste livro.