sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

"Império. Como a Grã-Bretanha construiu o Mundo Moderno", de Niall Ferguson

Visite-nos em https://www.facebook.com/leiturasmil.blogspot.pt
Há cerca de dois anos atrás, quando foi lançado em Portugal (dez anos após a publicação original), senti curiosidade por este livro. Por um lado, interessa-me o tema genérico da ascensão e queda dos impérios (veja-se, por exemplo, o que escrevi sobre A Queda de Roma e o Fim da Civilização, de Bryan Ward-Perkins); por outro, interesso-me pelo caso muito peculiar do Império Britânico. Por curiosidade (e casualidade), durante a leitura desta obra revi - num qualquer canal de televisão, a uma hora tardia - parte desse épico cinematográfico chamado Gandhi, o que me fez refletir um pouco sobre o modo como a Grã-Bretanha lidou com esse pedaço (a "joia da coroa") do seu império e com as legítimas reivindicações dos indianos.
Império. Como a Grã-Bretanha construiu o Mundo Moderno, de Niall Ferguson (que abre com um excerto do recentemente lido O Coração das Trevas, de Joseph Conrad), levanta algumas questões muito pertinentes: Como é que uma pequena ilha conseguiu construir o maior império da história (lembre-se que os britânicos chegaram a dominar, no seu apogeu imperial, um quarto do globo, bem como um quarto da população do mundo)? Porque (e como) é que um povo livre e cultor das liberdades individuais acabou a subjugar tantos povos? Niall Ferguson, sem esquecer os aspetos marcadamente negativos do imperialismo britânico (exploração de recursos do territórios coloniais, escravatura e tráfico de escravos, casos de violência desmedida para impor o domínio, casos de limpeza étnica, de imposição do modelo racista, etc.), não deixa de referir que este contribuiu para a difusão de certos aspetos "positivos" - a língua inglesa (talvez o maior legado, na medida em que a sua difusão a tornou a língua dominante), os ideais liberais e democráticos, os desportos de equipa, entre outros.
O primeiro capítulo aborda o início do Império Britânico. Ao longo dos séculos XVI e XVII, os britânicos recuperaram o atraso técnico e científico em termos de navegação (conseguiram ultrapassar os holandeses e afirmar a sua supremacia naval, tanto a nível de marinha mercante como de guerra), lançando-se no saque (pirataria e corso) aos navios das outras potências (nomeadamente as peninsulares), bem como no ataque e estabelecimento em alguns territórios ultramarinos. No caso da Índia (espaço muito desenvolvido e com uma numerosa população), os britânicos souberam beneficiar das lutas internas para, através da sua Companhia das Índias Orientais, afirmar a sua posição comercial, influência política e militar (o que se traduziu numa crescente implementação territorial). As guerras vitoriosas travadas contra a França, no século XVIII, traduziram-se na aquisição de novos territórios - e, logo, na expansão do império.
De colonização se ocupa o segundo capítulo. Muitos foram aqueles que, em busca de liberdade económica, religiosa, política ou simplesmente de lucro, se lançaram na emigração para os espaços imperiais. Nos territórios americanos, aonde acorreram muitos britânicos no século XVII, os nativos foram gradualmente sendo despojados das suas terras (e mesmo aniquilados); estas terras passaram, então, a ser exploradas por europeus e por escravos africanos. Como é sabido, no século XVIII o Império Britânico perdeu a sua mais importante colónia americana - o conjunto de territórios que se revoltou, declarou e firmou pela armas a sua independência: os Estados Unidos da América; mas, simultaneamente, é nesse século que se abule a escravatura no império (enquanto nos recém erigidos Estados Unidos a escravatura permanecerá basilar na economia dos estados do sul durante cerca de um século), e em que se desenvolve a colonização da Austrália (que inicialmente serviu quase de colónia penal para degredados).
O terceiro capítulo aborda a questão da missionação e da tentativa britânica de difusão/imposição dos seus valores culturais, sociais, políticos, morais, religiosos, etc. (ou "civilizacionais", de acordo com a linguagem oitocentista), a populações muito diferentes, com diversos graus de complexidade cultural. Neste contexto, e influenciados por uma forte campanha de cariz religiosa na opinião pública, os britânicos foram pioneiros na abolição da escravatura e na repressão (através da sua marinha) a todo o tráfico de escravos. Se em África o seu esforço de missionação (isto é, de conversão dos africanos ao cristianismo protestante e de abandono de práticas "supersticiosas" e arcaicas) foi conhecendo algum sucesso (em parte à boleia do papel dos missionários no combate a certas doenças), a situação na Índia foi bem diferente: quando o esforço de missionação procurou eliminar certas práticas culturais e religiosas indianas ancestrais, por considera-las nefastas ou bárbaras, a reação foi geralmente violenta (ocorreram rebeliões várias com diversos graus de violência), acabando por prejudicar os laços comerciais e a segurança política e levando ao abandono de tais tentativas de interferência.
Uma questão interessante, a que o autor procura dar resposta no quarto capítulo, é perceber como é que um tão vasto império conseguiu ser gerido por um quadro de funcionários tão diminuto (na Índia, excluídos os homens de armas e os funcionários subalternos indianos, o governo dependia de cerca de mil funcionários de origem britânica). A segregação racial (os britânicos reclamavam um estatuto superior, privilegiado) e os limites à ascensão hierárquica dos nativos das colónias levaram a algumas revoltas (e, consequentemente, a violentas reações por parte das autoridades britânicas) e ao eclodir de sentimentos nacionalistas.
O Império Britânico muito deveu à ação das armas. Tanto na conquista e ocupação territorial no contexto da chamada "Corrida a África" (nas últimas décadas do século XIX, em competição com as restantes potências coloniais europeias), como na repressão a reivindicações nacionalistas (como o caso irlandês), o Império Britânico fez valer o seu poderio bélico. O contingente militar imperial (constituído por soldados das mais variadas nacionalidades) foi, um pouco mais tarde, fundamental no primeiro grande conflito à escala global: a Primeira Guerra Mundial.
O sexto e último capítulo aborda a queda do Império Britânico. Este, de acordo com Niall Ferguson, não resistiu ao confronto com outros impérios (japonês, italiano, nazi) e ao fortalecimento dos movimentos nacionalistas (nomeadamente indiano - liderado pela figura de Gandhi, que enveredou pela resistência pacífica e não-violência associada a boicotes - e irlandês - que sempre se pautou pelo uso da violência e da luta armada para reclamar a independência). O caráter decisivo da entrada em cena dos Estados Unidos para a vitória aliada (e do conexo endividamento da Inglaterra face aos EUA) contribuiu enormemente para a derrocada do império: Roosevelt era contrário ao imperialismo e favorável à independência das colónias europeias; assim, os Estados Unidos sancionaram o fim do Império Britânico ainda que tendo criado, paradoxalmente, uma espécie de império de poder e influência (de sentido anticomunista e antisoviética). O mundo do pós-guerra, como é sabido, fez-se de duas superpotências (EUA e União Soviética), que lutaram entre si pela hegemonia política e militar a nível global; à medida que as tecnologias bélicas se sucediam a uma velocidade vertiginosa, para a Grã-Bretanha tornou-se insustentável a defesa do império; com a perda do império, o papel da Grã-Bretanha passou a ser subalterno.
O que posso dizer em jeito de conclusão sobre esta obra? Que é um belíssimo livro de História, bem escrito e estruturado, rigoroso, cruzando vários planos de informação, sem aquele academismo exagerado que muitas vezes aliena o leitor não especializado ao "matar" a parte narrativa (ou se se quiser literária) da obra. Pelo que li, Niall Ferguson tem alguns posicionamentos polémicos - e até sou capaz de identificar algumas ideias menos consensuais (juízos históricos, como o pesar os prós e contras do Império Britânico) neste seu Império. Como a Grã-Bretanha construiu o Mundo Moderno; porém, mesmo essas ideias, a avaliar por esta leitura, são a meu ver suficientemente argumentadas. Um livro, em suma, fácil de recomendar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu contributo. O seu comentário será publicado em breve.